Enviado por Márcio
Rodrigues
Crônica
paulistana-campineira, janeiro de 2016
Na manhã da segunda-feira, 18 de janeiro de 2016, recebi o
telefonema de Andréia, nora de Joanco, avisando sobre o falecimento. Disse que
o enterro não estava marcado.
Foi surpresa, porque pensei que fosse um mal-estar
passageiro, virose da moda, que os tantos exames logo apontariam a causa. Na
última vez que telefonei, dias antes, disse que diagnosticaram uma diabete e
que não havia gota, ácido úrico, como Joanco pensava.
Então pesquisei uma passagem a São Paulo pro dia seguinte no
Edestinos mas só tinha pra quarta-feira, e chau-chau, Buracópolis. A melhor
promoção na ocasião era Azul. Será que torcedor do Garantido viaja de Azul?
O aeroporto, assim como o desfile de escola de samba, me faz
lembrar o provincianismo da cidade. Uma lateral de metade do saguão interno estava
isolada por aquelas divisórias de fita que parece cinto-de-segurança. Não sei o
nome daquilo. Em Guarulhos os faxineiros trabalham na madrugada, quando o
movimento cai 90% (não medi mas deve ser), sem atrapalhar o público.
Mas aqui em Buracópolis é diferente. Tudo tem de interditar.
Mas interditar com apoteose, em grande estilo, com holofote e tudo, mostrar estar
fazendo algo importante. Como na rua do desfile carnavalesco, adjacente ao
atacado Fort e à folclórica loja
famosa por mau atendimento, a Sertão,
onde interditam a via dias antes até dias depois do desfile, sem necessidade,
como se fosse evento grandioso que requeresse muito preparativo. Ou como quando
finalmente o pessoal do tapa-buraco (Acredites ou não, eles existem!) resolveu
tapar uns na Dom Aquino, bem no centro, meio-dia, engarrafando o trânsito, de
modo que só consegui avançar duas quadras em meia hora.
São coisas de nossa provinciana Buracópolis, antiga Campo
Grande.
O lanche da Azul, nem tem condição. Pacotinho de batata
frita e aquelas outras porcarias que só criança encara. E não tem opção de
compra. Mas ao menos sem aquelas balas horrorosas que a Tã-Lã insiste em
distribuir. Mas o que importa é que leva e traz. Melhor que seja lanche pago. Melhor
abolir de vez esse brinde de faz-de-conta.
E a aeromoça fazendo toda aquela pantomima de instrução de
emergência. Acaso alguém se lembrará disso? Ainda mais em momento de pânico? Não
existe! Igual extintor de incêndio. Quem pegará um pra apagar o fogo? Ninguém! Sairá
correndo. Igual foto de gente desaparecida na televisão. Depois alguém
reconhecerá algum rosto caso o veja? Improvável. São tipos de coisas que só
existem no mundo ideal.
Fiquei no hotel Nobilis,
na rua Santa Ifigênia. Dali um hoteleiro me ensinou, e foi comigo até o meio do
caminho, a pegar metrô, depois o ônibus, pra chegar à rua Entre-folhas, bem no
costado da Aricanduva com a Fortuna de Minas. Mas a indicação do cobrador me
fez descer muito abaixo, de modo que percorri 2km a pé.
A casa de Joanco lembra aqueles filmes italianos de casas
geminadas numa viela numa ladeira, algumas com dois andares, sem quintal, com
terreno 100% construído, outras com garagem no subsolo e até apartamento
subterrâneo alugado. No alto, acessado no fundo por uma meio assustadora e quase
vertical escada de metal ficava o aposento de trabalho de Joanco, completado
por uma imensa varanda, convidativa a pôr uma mesa de pingue-pongue, com vista
panorâmica. Ali só faltava um telescópio pra ver as vizinhas na janela.
Cheguei no meio da tarde. Dona Sueli não estava mas sim os
filhos com as esposas e filhos, sendo que um filho mora na parte dianteira da
casa. Vi os exames médicos, nada apontando a causa mortis. Tudo mistério. Uma nora
apontou a estranheza do comportamento médico, como o sangue nos pulmões que
seriam dos tubos respiratórios que machucam um pouco.
Mas a causa mesmo ficou por conta dum exame que nunca saía. O
caso é que Joanco foi emagrecendo até ficar irreconhecível. Só conseguia tomar
sopa.
Dona Sueli apareceu logo mais. Perda difícil de superar num
casal tão unido, chegando a 43 anos de casamento. Contou que fui o primeiro
amigo que Joanco levou até casa, que Joanco ficava todo orgulhoso mostrando que
sua colaboração foi publicada. Contou o tanto que era discreto e que sempre
fugia quando alguém fotografava. Toda a vila ficou órfã, pois todo mundo fazia
o imposto de renda com Jonco. Contou que o endereço de correspondência de Joanco
era a firma onde prestava contabilidade por causa duma vizinha histérica que
implicava com tudo e que uma vez alguém ali perdeu um chamado pra trabalhar no Extra por que ela rasgou a
correspondência.
A esse endereço enviei café colombiano, depois o peruano,
uma cerveja artesanal local, de mandioca, da Morena beer… Dona Sueli posta um monte de receita no facebu. Eu ficava
pondo comentário lá (A única coisa que me fazia entrar nessa droga de facebu):
— Quero
esta receita quando eu for.
— Não.
Esta. Nhaaaammmm!
— Este
pudim de pão-velho!
Joanco contou
que na firma o pessoal ficava em volta pra ver o que tinha no pacote. Naquela vez
ficaram no suspense enquanto ia abrindo o pacote. Será uma cerveja? Café fino?
Chocolate? Caíram na gargalhada quando o que tinha era um par de pão francês
duro, com o recado: Envio
os ingredientes pra dona Sueli fazer o pudim de pão-velho.
Perguntaram como o conheci. Contei que foi quando me
contatou, dizendo que Che Guavira é o único blogue que postou números de O guri, revista dos anos 1940 e 1950. Começou
colaborando com páginas faltantes, depois fazia escaneios pra valer. Meu preferido
era os números de Papai Noel com a turma de Tom & Jerry, revista que eu não
conhecia. Eu restaurava a capa a deixando perfeita, fotoxopando só no final,
pra clarear o branco e escurecer o preto. O resto era tudo no Photoeditor
mesmo.
Quando Joanco viu a primeira restauração ao Papai Noel - Tom & Jerry disse:
— Ficou
melhor que o original da Ebal!
— É que
em casa muito tenho mais tecnologia que em todo o parque editorial da Ebal na
época.
No meio da noite os
homens fomos buscar pitsa numa excelente pitsaria que não entrega. Aquilo era
pitsa de queijo, queijo mesmo. Não esses cremes de gordura vegetal e sabe-lá o
quê mais, simulando queijo, que entopem as veias. Passamos assim uma tarde
aprazível, apesar da tristeza. Lembrando muito os momentos em casa de dona
Adriana, em Santiago, e na de Carlos Molina, em Medelim.
Dona Sueli cogitou do quê fazer com o acervo de Joanco. Uma amiga
que acabara de chegar sugeriu doar a quem aprecia e daria o devido valor. Então
sugeriram doar a mim.
Mas depois fiquei pensando em pagar um valor justo, pois não
é família abastada, que teve muito gasto em todo o decorrer, estando em
dificuldade. Enfim dei um valor equivalente ao que seria uma compra, o que os
deixou contentes.
O pessoal me levou em carro até o metrô às 10:30h, desci na
praça da República e o hotel bem perto.
Na manhã seguinte fui procurar uma loja fotográfica. Tinha na
mesma quadra do hotel muitas lojas. Na Z&M, www.zmeletronicos.com.br, rua Santa
Ifigênia 403, lojas 3-5, comprei uma câmera Nikon D-3300, luminária lede e
tripé 3540 por R$ 2500. Baixei o manual na internete, http://closebr.com.br/manual/manual_portugues_nikon_d3300.pdf,
e fucei até aprender.
Agora posso escanear grandes formatos!
O álbum de Alice no país das maravilhas, que não cabe no
escâner, era o próximo que Joanco queria que escaneasse. Assim que fizer mais
dia ensolarado a fotografarei porque as figurinhas dão muito brilho com o
relâmpago da câmera.
Almoçava no mercadão, driblando os vendedores de fruta, que por
pouco não te socam a mercadoria na mão e sacam o valor de teu bolso. Abomino essa
horrível maneira de vender. Restaurante fuleiro nunca mais. Ali tem uma barraca
de muitas variedades de cerveja. Levei algumas e planejei na próxima levar uma
caixa de isopor. Tinha uma de beterraba, as o teor alcoólico era cerca de 11%. Uma
vez tomei uma tal Belzebu, de 11,6%. Fica descaracterizada. Nem parece cerveja.
Parece licor.
Como minha conexão de volta era Viracopos, fui a Campinas um
dia antes ver tia e primos. Tanto na rodoviária de São Paulo quanto na de
Campinas não tem carrinho! Se estiver com mala pesada tem de percorrer o vasto
salão arrastando a mala, pra comprar passagem. Só tem carrinho na área de
embarque. Mas ali não preciso mais!
Almocei com tia Isolina num restaurante no centro e passei a
tarde conversando com prima Cláudia. Relembramos as peripécias da adolescência,
quando veio e roubou os namorados de minha irmã, os maus-tratos que mamãe lhe
fez quando criança, a surra que papai lhe deu por motivo banal e o rolo que
isso deu… Na noite chamou uma pitsa.
Só não tenho mais contato internético com essa prima porque
insiste em manter seu imeio hotmail, que é uma porcaria. Quem usa rotimeio
perde cliente e perde contato, porque oferece tão pouca memória que se acumular
alguns na caixa, o próximo é devolvido. Francamente! Esse provedor é uma piada.
Resulta que de tanto enviar mensagem e ela voltar se acaba não enviando mais. Então
quem usa essa droga vai perdendo os contatos.
Tem gente que só porque usa facebu acha que não precisa
imeio. Mas tem gente que odeia facebu, como eu.
Quando cheguei, os amigos Ramão e Emiliana me receberam com
o quê? Uma pitsa.
Três pitsas seguidas. Nada mau.
Ficara combinado que os Constantino enviariam o acervo no
correio. Mas dona Sueli nem tinha idéia do tanto que havia. Perguntou se eu
poderia ir selecionar e orientar as coisas que poderia vender. Marquei uma ida
pra 20 de março, ficando hospedado lá. Um colchão no quartinho da laje resolveu
a parada.
Cheguei na manhã de domingo. Daniel, o filho de Joanco que
mora nos aposentos dianteiros, abriu a porta. Na noite processei as caixas de
conteúdo, separei os repetidos e os que enviei antes. Descobrindo as maravilhas
que Joanco foi colecionando ao longo da vida.
Bem perto, descendo a avenida Aricanduva, tem o xópim que
dizem que é o maior da América Latina. Ali tem um Extra enorme. Levei uma pitsa de provolone e outra de muçarela. Muito
melhor que as pitsas de supermercado daqui. Aqui notei que as de supermercado
vão melhorando e as das pitsarias piorando. A atendente parecia não saber que
aquelas sacolinhas não agüentam garrafa.
Na segunda acompanhei Daniel a um giro rápido no centro e no
caminho não encontrei casa que vende embalagem. No bairro só tinha uma longe. Mas
dona Sueli tinha uma grande e reforçada sobrando.
Joanco ia, em fim de semana, à casa que outro filho tinha em
Praia Grande, como dizia, ver passar as esculturas
ambulantes. Esse filho trabalha na Petrobrás, e com o petrobraço caiu 90% seu
faturamento. Na época do auê do pré-sal, puramente eleitoreiro, tinha porque
tinha de manter uma base ali. O representante governamental apareceu e depois
sumiu. Dona Sueli tinha de ficar naquela solidão, onde a ninguém conhecia. Um dia
resolveu ir embora, e voltou até casa. Logo, vendo que aquilo era uma furada,
largaram mão da casa na praia.
Contou de como não tinha idéia de como Joanco tirava dinheiro de pedra. Não imaginava
como sobrevivia com tão pouco, pois era um sujeito lúdico, que não sabia
cobrar.
— E eu
implicava consigo porque deixava coisas fora de lugar. Coisas tão bobas. Como pude
ser tão besta. Coisa de mulher, mas não precisava. E nunca reclamou. Eu queria passear no xópim e o Zé não largava
os gibis. Com tão pouco dinheiro, nunca disse pra eu não ir ao cabeleireiro ou
pintar a unha porque tinha de economizar…
A maior
homenagem era o que dona Sueli dizia sobre o jeitão Joanco de ser: Pessoa
extremamente discreta e generosa, que saía de fininho quando alguém ia tirar fotografia,
que andava a todo lado a pé e dava aos filhos gibis pra vender no Mercado livre
pra os salvar de aperto…
Passei a terça e metade da quarta em Campinas. Tia Isolina
já dissera que ali tem nada. Que quando se quer passear tem de ir a São Paulo. É
maior que Campo Grande mas é provinciana igual. Tão perto de São Paulo, 100km,
mas tão provinciana. Aqui o povo é esquisito de tão individualista. Lá o que
senti foi falta de simpatia. Difícil alguém atender com simpatia. Que diferença
de Bogotá! No primeiro sebo ao qual fui, o Porão, um cabeludo com aquele
medalhão gigante na orelha tocando som alto. Sebo com som alto é de lascar. Os
caras atendiam com grunhido, só sim
ou não bem seco. Péssimo ambiente. Quando
pedi pra ver o quê era um amontoado bem no alto um atendente puxou a escada e
usando todo tipo de desculpa pra não subir. Que não tinha acesso à escada. Mas então
como foi colocado ali? Enfim era só um lote de Seleções em inglês. No segundo, um cubículo na Irmã Serafina, uma
atendente toda tatuada, que até se esforça pra dar bom-dia (daquelas que te
corrige, boa tarde) mas
que não quer saber de conversa e se sente incomodada se o cliente fuça a
prateleira adjacente, então foi fumar fora. A exceção foi um atendente de bar
(e depois o do bar do mercadão), que explicou onde fica o, segundo disse, o único
sebo que vale a pena, Casarão. Nesse sebo o atendimento bem protocolar, seco, exatamente
o que tecnicamente tem de ser, mas também simpatia zero.
E pra informar rua. Ninguém sabe. Tem de perguntar a dois,
três quatro. Melhor perguntar em posto de gasolina. Mesmo assim chama o colega,
chama outro. Mesmo a avenida Irmã Serafina, talvez a principal, gigante, com
canteiro central, a atendente, a uma quadra dali não sabe. Pergunta à colega,
que também não sabe…
Eu, hem?!
Não há de ser por nada que Campinas tem a mesma fama de
Pelotas…
No meio-dia seguinte encerrei o passeio no mercadão, que
fica na Campos Sales. É menor que o de Campo Grande, bem compacto. Na frente da
entrada tem uma fileira de verduraria com delicioso cheiro de coentro. No fundo
do mercado, lado esquerdo, um bar exibindo garrafas de cerveja de variadas
marcas artesanais no alto da prateleira, onde comi um excelente bolinho de
camarão e outro de bacalhau. Esse foi o único outro atendimento de primeira.
Na quinta, véspera do feriado, peguei o avião de volta. Na vez
passada vim de janela o lado direito mas encima da asa. Nesta vez foi janela,
mas esquerda. Ainda não deu pra ver minha casa do alto. A Tã sempre passa quase
rasante aqui em casa. Dá até pra dar chauzinho. Mas a Azul é outra rota.
Os buracos continuam os mesmos de quando saí de Buracópolis.
Nenhum ladrão os roubou.
Mario, coloca a lista das revistas que voce herdou do Joanco.
ResponderExcluirBoa idéia
ExcluirO linque da 26 baixa a 25!
ResponderExcluirPreferiria que disponibilizasse logo os escans ao invés de listar as revistas tão generosamente doadas pela família (recompensada dignamente por V.Sª.) - tomara haja muitos "O Gibi", "Cavaleiro Negro", "Durango Kid", "Roy Roger", "Gene Autry", "Arquibaldo", "Pinduca"...
Grato,
Difícil agradar a gregos e troianos
ResponderExcluirComprei porque estou em condição e a família em aperto
Receber de graça seria ser aproveitador, como muitos colecionadores fazem
Pensas que não dá trabalho escanear e restaurar?
Vá pro Diabo!, seu Pedro
Lamento imensamente ter sido tão mal compreendido por V.Sª., de cujo trabalho me venho beneficiando/deleitando há algum tempo. Também o falecimento do sr. Joanco, que sempre nos brindou com obras que julgávamos perdidas para sempre, nos foi pesaroso, ainda que não o conhecessemos.
ExcluirMas, não só nos encantamos com as obras escaneadas; também seus textos - histriônicos, críticos ou contestadores - que nos envolvem pela correção, pela leveza, pela clareza, por sua facilidade de se expressar, sempre foram objeto de nossa admiração e deleite.
Clareza sua que não consegui aprender e apreender, ao que parece: não consigo ver, até o momento, onde há qualquer resquício de ironia, de crítica, de ofensa no texto em que aviso do erro de endereçamento e, na ocasião, expresso meu desejo de que não desperdice tempo em listagem e o aproveite já nos trabalhos que tanto nos beneficiam. Nunca houve - e não há, ali, qualquer sentimento escuso que vos possa servir de pretexto para sua virulência.
Sempre, humildemente, reconheci-me incompetente, despreparado para executar o trabalho que V.Sª. e tantos outros dispendem na apresentação dos escans, invejando-os por não ter capacidade para fazer o mesmo trabalho com os inúmeros exemplares disponíveis em meus armários. Sei - por imaginação - que a SATISFAÇÃO da divulgação de um trabalho bem executado, inda mais quando dispende horas de repouso, diversão e aconchego familiar, é a grande recompensa de quem assim está disposto a colaborar com os despreparados.
Caro senhor, não vou "pro Diabo!". Não pequei, não fui malicioso, não o ofendi. Ao contrário, avisei-o de um erro, manifestei uma simples preferência, reconheci sua generosidade e correção e, por fim, a esperança de rever antigas revistas que me enlevaram a infância e juventude. Onde a malícia? Onde o desmerecimento ao seu trabalho? O que pode ter motivado sua raivosa resposta?
Sr. Mário Vargas, para que não vá ao destino a mim desejado, corrigindo seu erro de interpretação causado, talvez, por estresse ou desatenção, aguardo seu pedido de desculpas, o que fará com que minha admiração por V.Sª. aumente e perdure.
Que Deus o mantenha sob Sua guarda, sr. Vasgas!
Sempre admirador respeitoso e agradecido,
Pedro Ricardo