quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Enviado por Márcio Rodrigues

A lenda de Guilherme Tell lendário herói suíço. Ingênua lenda, como o são todas as lendas patrióticas e todas as histórias e estórias romanceadas e quadrinizadas.
É o mesmo protótipo de Robinhude e outros tantos heróis abnegados e inverossímeis e juvenis, em cujos enredos o caráter humano é retratado com as virtudes que gostaríamos que tivessem e não como são, e os vilões tendendo a Dique Vigarista, outro estereótipo.
Eis a variante escandinava do protótipo:
A três flechas de Egil
Escandinávia
Nesta história de Egil, o arqueiro prodigioso, irmão de Veland, o Vulcano da mitologia nórdica, vemos a réplica exata da aventura sucedida ao lendário Guilherme Tell, símbolo dos fatos heróicos que apressaram a libertação da Suíça, então sob jugo austríaco. A figura de Guilherme Tell inspirou, como tantas outras em domínio lendário, músicos pintores, escritores, crescendo em fama a ponto de relegar a segundo plano seus avatares (se é possível aqui o uso da expressão), o mais antigo dos quais está na velha Vilkina saga, baseada em fontes teutônicas.
Famoso era o herói escandinavo Egil, prodigioso no manejo do arco. Sua pontaria era extraordinária. Onde os olhos pousavam pousava a flecha.
Um poderoso rei, desejoso de comprovar a veracidade daquela fama, mandou chamar o arqueiro e disse que organizara uma prova tão desusada que jamais alguém ousaria realizar. E desafiou Egil a aceitar.
O arqueiro, seguro da destreza de seu braço, afirmou com segurança que tudo quanto se pudesse fazer com arco-e-flecha estaria dentro de sua possibilidade.
O soberano insistiu:
— Vejas bem: A prova é dificílima.
Mas Egil continuou afirmando o que blasonara.
— Se é coisa que um homem possa fazer, farei.
— O quiseste. Se trata de partir cuma flecha a maçã que será colocada sobre a cabeça de teu filho.
Egil ficou profundamente emocionado mas nada deixou transparecer. A distância que lhe davam pra realizar a prova era muito grande e não ignorava quanta perícia seria necessária pra atingir um alvo como aquele. Além disso bastava saber que o filho seria o pedestal do alvo escolhido pra que começasse a duvidar do que nunca antes pusera em dúvida: A capacidade de conseguir êxito nas mais inverossímeis proezas com a balestra.
Temor jamais suspeitado o assaltava agora. Receava que a emoção entorpecesse o braço, que a criança se movesse involuntariamente, que uma ave, um inseto, um grito perturbasse a quietude necessária. Se, enfim, o arco ou a flecha tivesse algum defeito...
Chegou o dia da prova e o rei reuniu o melhor da corte. Havia no ar uma tensão impalpável mas forte dominando o ânimo de todos. A própria atmosfera daquele dia ensolarado e sereno parecia estacado na expectativa. Se tratava duma prova única, jamais vista. Só o pai se mostrava tranqüilo, indiferente na aparência, embora a gravidade do rosto mostrasse claramente que, mais do que a qualquer outro, tudo aquilo o comovia profundamente.
Amarraram o menino a uma árvore e colocaram a maçã na cabeça.
Egil se postou no lugar indicado. Distendeu o arco e colocou uma flecha. No carcás ficaram mais duas.
Levantou o arco, apontou ao filho, que olhava a ele com olhos bem abertos, sério, embora tranqüilo.
Ao silêncio seguiu um grito unânime: A flecha ficou cravada no centro da maçã.
Nos lábios do menino floresceu amplo sorriso e Egil foi levado à presença do rei entre o entusiasmo de todos.
O soberano demonstrou admiração, o cumprimentou e, depois, como estranhando, perguntou:
— Só uma coisa não compreendi: Por que trazias três flechas se sabias que te bastava disparar uma?
— É muito simples, majestade. Se eu matasse meu filho as outras flechas seriam pra ti. Uma atravessaria teu coração e a outra tua cabeça.
Tais palavras não ofenderam o rei. Antes aumentaram sua estima por aquele homem valente, destro e sereno que acabara de lhe dar uma lição.

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