Crônicas de Santiago
Da autobiografia não-autorizada de Che Guavira
Só liberada por causa da lei de liberdade de
informação
Parte 2
A cidade é
linda e tudo perto. Lembra Curitiba.
O deslumbre
foi o mercado persa, como chamam a feira-livre, gigante. Vários quarteirões de
feira, não ao ar livre, onde se vende qualquer aparelho antigo, seja
datilógrafa ou máquina de costura. Até sofá velho e estragado está lá. Tudo o
que se joga fora aqui, obstruindo calçada e sujando terreno do vizinho. E
livros usados, antigos, raridades, coleções inteiras, caros e baratos. Dá pra
fazer uma viagem só pra garimpar nos sebos, que são muitos.
No Brasil a
internete inflacionou os sebos. Creio que é um período de acomodação. Não
compensa mais viajar a São Paulo pra visitar sebo. Nada se acha, pois os sebos
guardam uma lista dos colecionadores, pra avisar de raridade que aparecer.
Tem o Buin
zoo, um zoológico na periferia, gigante, dá pra passar o dia visitando, super
bem cuidado, com nichos ostentando placa com nome do bicho, mapa de habitáculo,
sinopse, etc. A área das aves é fechada até formando teto com tela, pro bicho
não fugir. Um espetáculo. Que diferença gritante de nosso insosso parque das
Nações Indígenas, que nada tem de parque nem de indígena.
O clima é bem
diferente, por causa da barreira dos Andes. A seca de agosto lá é em fevereiro.
Sendo tão seco andei a todo lado, carregando sacola, sem suar.
Nessa viagem
fui conhecer minha correspondente chilena. Como passeio muito distraído,
confiscou meus poucos pesos, dizendo que eu poderia ser assaltado. E agora?
Como convidar uma vizinha de quarto do hotel prum passeio?
Ao sair:
— Mariacita,
onde estão meus pesos?
E recebi a
pesada mochila contendo lanche, água mineral, etc.
E mais as
sacolas de compra, de modo que recebi os pesos com juro e correção monetária.
Foi bem assim:
O passeio no
persa foi muito festivo, pois fomos com dois amigos de Maria, Chejov y Nelson,
esse que desenhou As aventuras de Che
Guavira. Só faltou Arakaki. São os amigos gibizeiros escaneadores. Chejov é
apaixonado por faroeste, até anda cum chapéu de vaqueiro, só faltando o
revólver e o cavalo. Nelson é desenhista, que no persa viu um gibi da Mônica e
perguntou se é bom. Eu disse que é dos melhores que tem aqui. Foi paixão à
primeira vista. Começou a traduzir os gibis e disse que graças a mim o
descobriu. Quando voltei enviei um dicionário, pra facilitar sua tradução.
Se eu não
estivesse em grupo acabaria igual no sebo Osório, em Curitiba, garimpando
minuciosamente até o funcionário avisar que está fechando, pois sou
rato-de-sebo assumido e feliz. Assim o passeio foi passeio mesmo, não trabalho.
Hehehe.
Ali, numa
lanchonete, onde comemos um cachorro-quente com abacate em creme no lugar de
mostarda e quetchupe, o típico de lá. A dona, sabendo que sou brasileiro, me
deu um chaveiro com emblema do Chile, ligou o microfone e cantou, creio que um
bolero, pra mim.
A volta foi
muito divertida, todos contando uma piada curta dentro do carro. Mesmo com meu
castelhano claudicante, pois não tenho prática de falar, só escrever, deu pra
contar umas boas.
Quando eu
disse que achamos engraçado quando dizem dentro
de un rato, e quando eu jocosamente falei da peculiaridade de usarem ue e ie
(tiempo, puerto...) dizendo (onde não há) pueco, españuela, tuero... Maria disse que estranham nosso
inho: Tomar um cafezinho com leitezinho.
Também contou
que pra eles aqui tudo é grande. Somos a itu deles. A versão da piada do
supositório é do sujeito que foi comprar numa farmácia onde tudo era importado
do Brasil. O comprimido era do tamanho dum ovo, o creme pra micose numa
embalagem de 5kg, a agulha de injeção do tamanho dum espeto. No final o cliente
disse Não.
O supositório comprarei noutra farmácia!
Já dá uma
idéia do Brasil no imaginário hispânico.
Então contei
que pra nós tudo o que é exagerado é ianque. Os gringos é que são exagerados em
tudo. E sobre Itu. Lapisinho de Itu, borrachinha de Itu...
Assim aprendi
que se rato é instante e ratito instantinho, ratón é que é rato e ratoncito ratinho. Uma vez falei de levar um potito (potinho), quando
deveria dizer potecito, porque poto (regionalismo chileno) é bunda (regionalismo brasileiro). Então o
que disse era levar uma bundinha em
vez dum potinho.
Outra graça é
que a dança típica se chama cueca.
Lá a quase
todo lugar se vai de metrô. Numa dessas fui abrir uma garrafa de água mineral
e, bum!, tomei um banho e sobrou a todos perto. O sujeito que estava informando
a Maria disse que explicaria se prometesse não lhe dar mais banho. Todos
ficavam paquerando Maria, por isso informação não faltava.
Na crônica
anterior contei como foi a ida ao museu, bem assim:
Mas Maria não
gostou de me ouvir criticar as obras de arte.
Leva muito a sério aquela palhaçada toda. Bom... Se mulher tivesse bom-gosto
não gostaria de homem, né? Hehehe
Lá a comida
não tem muita variedade. Não é como no Peru, México ou Brasil. São como os
paraguaios, com muito preconceito alimentar e pouca variedade, de modo que pôr
banana no almoço é algo exótico e excêntrico. O almoço é bem no meio da tarde,
o que seria nosso lanche, por isso os restaurantes ficam abertos na tarde toda,
não fechando 14h como aqui. O abacate é salgado, feito creme. Não usam em
vitamina, por exemplo. A variedade de salgadinho é quase nula. Tanto é que
quando Maria esteve em São Paulo ficou comendo compulsivamente os salgadinhos,
uma paixão. Não tem pimenta, exceto -do-reino, mandioca, água-de-coco. O
pêssego é muito bom, a tuna ou figo-da-índia é verde, o nosso é vermelho. Tem
amora-preta, melão, mirtilo, uva nessa época. No Buin zoo vi uma planta
rasteira cheia de fruto, tudo idêntico à guavira. Pena que não tinha a quem
perguntar o quê era.
Passeamos
também num cerro, tipo um mosteiro no alto dum morro, visitamos o palácio de La
Moneda. Praia em Vinha do Mar. O Pacífico é menos salgado que o Atlântico. Encerramos
o passeio numa piscina e na noite num restaurante japonês, com dona Adriana,
mãe de Maria.
Dona Adriana
servia copioso lanche de fruta, predominando melão e pêssego, e Maria com sua
deliciosa salada de fruta e verdura, que já garante um almoço frugal. Tratado
assim, como dom Pedro em Petrópolis, já se aproxima a segunda viagem.
Foi a melhor
viagem até agora, mesmo sem aquilo que o leitor está pensando.
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