segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Crônicas de Santiago
Da autobiografia não-autorizada de Che Guavira
Só liberada por causa da lei de liberdade de informação
Parte 2
A cidade é linda e tudo perto. Lembra Curitiba.
O deslumbre foi o mercado persa, como chamam a feira-livre, gigante. Vários quarteirões de feira, não ao ar livre, onde se vende qualquer aparelho antigo, seja datilógrafa ou máquina de costura. Até sofá velho e estragado está lá. Tudo o que se joga fora aqui, obstruindo calçada e sujando terreno do vizinho. E livros usados, antigos, raridades, coleções inteiras, caros e baratos. Dá pra fazer uma viagem só pra garimpar nos sebos, que são muitos.
No Brasil a internete inflacionou os sebos. Creio que é um período de acomodação. Não compensa mais viajar a São Paulo pra visitar sebo. Nada se acha, pois os sebos guardam uma lista dos colecionadores, pra avisar de raridade que aparecer.
Tem o Buin zoo, um zoológico na periferia, gigante, dá pra passar o dia visitando, super bem cuidado, com nichos ostentando placa com nome do bicho, mapa de habitáculo, sinopse, etc. A área das aves é fechada até formando teto com tela, pro bicho não fugir. Um espetáculo. Que diferença gritante de nosso insosso parque das Nações Indígenas, que nada tem de parque nem de indígena.
O clima é bem diferente, por causa da barreira dos Andes. A seca de agosto lá é em fevereiro. Sendo tão seco andei a todo lado, carregando sacola, sem suar.
Nessa viagem fui conhecer minha correspondente chilena. Como passeio muito distraído, confiscou meus poucos pesos, dizendo que eu poderia ser assaltado. E agora? Como convidar uma vizinha de quarto do hotel prum passeio?
Ao sair:
— Mariacita, onde estão meus pesos?
E recebi a pesada mochila contendo lanche, água mineral, etc.
E mais as sacolas de compra, de modo que recebi os pesos com juro e correção monetária. Foi bem assim:

O passeio no persa foi muito festivo, pois fomos com dois amigos de Maria, Chejov y Nelson, esse que desenhou As aventuras de Che Guavira. Só faltou Arakaki. São os amigos gibizeiros escaneadores. Chejov é apaixonado por faroeste, até anda cum chapéu de vaqueiro, só faltando o revólver e o cavalo. Nelson é desenhista, que no persa viu um gibi da Mônica e perguntou se é bom. Eu disse que é dos melhores que tem aqui. Foi paixão à primeira vista. Começou a traduzir os gibis e disse que graças a mim o descobriu. Quando voltei enviei um dicionário, pra facilitar sua tradução.
Se eu não estivesse em grupo acabaria igual no sebo Osório, em Curitiba, garimpando minuciosamente até o funcionário avisar que está fechando, pois sou rato-de-sebo assumido e feliz. Assim o passeio foi passeio mesmo, não trabalho. Hehehe.
Ali, numa lanchonete, onde comemos um cachorro-quente com abacate em creme no lugar de mostarda e quetchupe, o típico de lá. A dona, sabendo que sou brasileiro, me deu um chaveiro com emblema do Chile, ligou o microfone e cantou, creio que um bolero, pra mim.
A volta foi muito divertida, todos contando uma piada curta dentro do carro. Mesmo com meu castelhano claudicante, pois não tenho prática de falar, só escrever, deu pra contar umas boas.
Quando eu disse que achamos engraçado quando dizem dentro de un rato, e quando eu jocosamente falei da peculiaridade de usarem ue e ie (tiempo, puerto...) dizendo (onde não há) pueco, españuela, tuero... Maria disse que estranham nosso inho: Tomar um cafezinho com leitezinho.
Também contou que pra eles aqui tudo é grande. Somos a itu deles. A versão da piada do supositório é do sujeito que foi comprar numa farmácia onde tudo era importado do Brasil. O comprimido era do tamanho dum ovo, o creme pra micose numa embalagem de 5kg, a agulha de injeção do tamanho dum espeto. No final o cliente disse Não. O supositório comprarei noutra farmácia!
Já dá uma idéia do Brasil no imaginário hispânico.
Então contei que pra nós tudo o que é exagerado é ianque. Os gringos é que são exagerados em tudo. E sobre Itu. Lapisinho de Itu, borrachinha de Itu...
Assim aprendi que se rato é instante e ratito instantinho, ratón é que é rato e ratoncito ratinho. Uma vez falei de levar um potito (potinho), quando deveria dizer potecito, porque poto (regionalismo chileno) é bunda (regionalismo brasileiro). Então o que disse era levar uma bundinha em vez dum potinho.
Outra graça é que a dança típica se chama cueca.
Lá a quase todo lugar se vai de metrô. Numa dessas fui abrir uma garrafa de água mineral e, bum!, tomei um banho e sobrou a todos perto. O sujeito que estava informando a Maria disse que explicaria se prometesse não lhe dar mais banho. Todos ficavam paquerando Maria, por isso informação não faltava.
Na crônica anterior contei como foi a ida ao museu, bem assim:

Mas Maria não gostou de me ouvir criticar as obras de arte. Leva muito a sério aquela palhaçada toda. Bom... Se mulher tivesse bom-gosto não gostaria de homem, né? Hehehe
Lá a comida não tem muita variedade. Não é como no Peru, México ou Brasil. São como os paraguaios, com muito preconceito alimentar e pouca variedade, de modo que pôr banana no almoço é algo exótico e excêntrico. O almoço é bem no meio da tarde, o que seria nosso lanche, por isso os restaurantes ficam abertos na tarde toda, não fechando 14h como aqui. O abacate é salgado, feito creme. Não usam em vitamina, por exemplo. A variedade de salgadinho é quase nula. Tanto é que quando Maria esteve em São Paulo ficou comendo compulsivamente os salgadinhos, uma paixão. Não tem pimenta, exceto -do-reino, mandioca, água-de-coco. O pêssego é muito bom, a tuna ou figo-da-índia é verde, o nosso é vermelho. Tem amora-preta, melão, mirtilo, uva nessa época. No Buin zoo vi uma planta rasteira cheia de fruto, tudo idêntico à guavira. Pena que não tinha a quem perguntar o quê era.
Passeamos também num cerro, tipo um mosteiro no alto dum morro, visitamos o palácio de La Moneda. Praia em Vinha do Mar. O Pacífico é menos salgado que o Atlântico. Encerramos o passeio numa piscina e na noite num restaurante japonês, com dona Adriana, mãe de Maria.
Dona Adriana servia copioso lanche de fruta, predominando melão e pêssego, e Maria com sua deliciosa salada de fruta e verdura, que já garante um almoço frugal. Tratado assim, como dom Pedro em Petrópolis, já se aproxima a segunda viagem.
Foi a melhor viagem até agora, mesmo sem aquilo que o leitor está pensando.

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