domingo, 28 de julho de 2013

A língua esculhambada
Miscelânea 1
● A mania de falar difícil está incrustada na cabeça do povo. O novo modismo do falar pomposo é visualizar. Ninguém mais vê, não tem visão nem vista. O chique é visualizar. Santa frescura! Visualizar não é sinônimo de ver. Visualizar significa tornar visual. Por exemplo: A NASA recebeu uma imagem dum satélite mas está toda codificada em números binários, 0 e 1. Então o cientista roda um programa pra decodificar a imagem, pra que se torne visual, como uma fotografia. Isso é visualizar.
Presenciar também não é sinônimo de ver mas de estar presente. Ver através duma luneta, tevê ou internete não é presenciar.
No cotidiano podemos constatar umas tantas dessas bestices, especialmente na publicidade, que é o reino do pomposo, da poesia apelativa. Ali se costuma dizer que um produto é diferenciado quando se quer dizer que é diferente dos outros. Mas diferenciado não é sinônimo de diferente. Diferenciar é estabelecer uma diferença onde essa diferença não existe ou não aparenta. Entre duas coisas que parecem idênticas mas não são, diferenciar é estabelecer um critério pra não as confundir. Diferenciado é algo que foi tornado ou considerado diferente. Por isso se diz que o diferencial de tal empresa é a rapidez na entrega. Por exemplo, dois copos com água aparentemente idênticos. Se estabelece uma diferença levando em conta a salinidade, a temperatura, etc.
Outra pérola desse linguajar afrescalhado é vivenciar, que não é sinônimo de viver mas que significa experimentar vivendo, vestindo a pele, empatia. Vivenciar é experimentar viver. Dali a expressão ter vivência, ter experiência, ser macaco-velho, ser puta-velha, etc. Assim como se algo foi aportuguesado, obviamente agora é português, mas aportuguesado não é sinônimo de português.
Colorir é atribuir cor. Colorizar seria recuperar a cor original. Quando um filme sem cor é dito colorizado, o seria se com algum processo se pudesse resgatar as cores tal qual a filmagem fosse originalmente colorida. Mas na realidade se faz um estudo e se colore cada item com a cor considerada mais adequada. Portanto esses filmes não foram colorizados e sim coloridos.
Operacionalizar é tornar algo operacional, não é sinônimo de operar.
Ficcional não é fictício. Ficcional é relativo à ficção. Literatura ficcional é a não realista, de ficção, não necessariamente fantasia. Literatura fictícia é uma literatura irreal, que não existe na literatura. O Necronomicão, de Lovecraft é literatura fictícia.
Racionalizar é tornar racional. Não é sinônimo de raciocinar.
Estabilizado é o que se tornou estável. Portanto se pressupõe que estava instável.
Do jeito que a coisa vai precisaremos criar um dicionário do bestiário vocabular. Logo não se dirá mais ouvir e sim audicionalizar. Alô, alô. Não estou audicionalizando bem. Logo roubar será roubalizar.
Não sei se já tem nome esse fenômeno de anabolizar as palavras. Espécie de o-médico-e-o-monstro do vocabulário. Tacar anabolizante em ver e transformar numa montanha de músculo inchado visualizar. Hipercognatismo, anabolivocabulia, pseudocotanismo, hiperpseudocoganatismo...?
● O pessoal faz confusão entre os termos horror, pavor e terror. Muitas vezes se usa um termo quando o cabível é outro. Quando se diz que alguém viu algo e fugiu aterrorizado, quando deveria dizer apavorado. Ou quando alguém sentiu terror, quando deveria dizer pavor. Terror não se sente, se faz ou se é vítima, pavor se sente, horror se vê. Ser aterrorizado é ser ferido, sofrer dano ou mutilação. Se sentir horrorizado é sentir repulsa, aversão.
Horror é algo muito feio, desagradável aos sentidos, mas não necessariamente danoso. Pode ser nojento, feio, fedido, nauseante, etc. Por isso se diz que alguém é horrível, que tal lugar tinha um cheiro horrível, etc.
Pavor é medo extremo, exacerbado, máximo. Medo no mais alto grau. Quando se diz que tal coisa é pavorosa é porque assusta muito, é mais que medonha, causa pavor.
Terror: Ferir, causar dano, mutilar, destruir. Por isso o terrorista usa bomba, incendeia, é franco-atirador, etc.
O curioso é que de terror se usa o adjetivo terrível, de pavor pavoroso. Só horror tem as duas formas: Horroroso e horrível.


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