Extrema esquerda: Prima Lúcia, tio Benedito e tia Cecília, Brasília?, 196?
Quase nostalgia 4
Da autobiografia não-autorizada de Che Guavira
Só liberada por causa da lei de liberdade de
informação
Dos clubes de
festa os maiorais eram o Suriã e o Sírio-libanês. As matinês carnavalescas eram
muito animadas e a decoração caprichada. Com cerca de 9 anos quis ir de
Super-homem mas tudo o que consegui fazer mamãe providenciar foi uma capa
vermelha. Fui de sunga e a capa. De modo que ficou uma espécie de Super-Tarzã
ou Super-homem adaptado ao aquecimento global. Já entrando no clube uma menina
lourinha e sardenta começou a tirar o sarro. Achou muito ridícula minha
fantasia: Que
que é isso? Quá quá quá, essa capa! Ô, tio, vem ver aqui a fantasia dele!
Nunca mais
quis ir de Super-herói.
Eu não
conseguia me desinibir pra ir pular no meio do salão, então resolvi tomar um
pouco de vinho. E fui! No baile no dia seguinte mamãe perguntou se eu queria
tomar vinho de novo. Pensei um pouco e disse que não porque achei um
contra-senso ter de tomar sempre que quisesse desinibir.
Antes que
algum maldito moralista entre em cena, exercendo a tradicional patrulha
ideológica, devo dizer que mamãe foi esperta. Assim já saberia logo se o filho
começasse a beber.
Bebia algum
vinho, em ocasião de festa. Natal, reveião. Nem por isso virei bebedor. Essa de
que menor não pode beber é furada. Menor não deve entrar na bebedeira. Aliás,
nem adulto deveria, porque queima neurônio e emburrece. Já uísque pinga, não
entendia como os mais velhos gostavam. Achava forte demais. Ainda bem.
Uma vez passei
um carnaval com minha tia paterna, em Ponta Porã. Ali
tem um carnaval típico que não sei por que não se espalhou no resto do Brasil.
Que divertido é aquela guerra de balões dágua! Vai chegando o Carnaval e a
molecada corre comprar balões de látex pra estocar. Aqueles balões de aniversário,
só que em vez de ar ou hélio se enche dágua. Se formam equipes com baldes
cheios de balão dágua pra guerrear na rua como bolas de neve onde há neve.
Passavam carros de passeio e viravam alvo na certa. Ai de quem esquecesse a
janela aberta. Camiões e camionetes com equipe na carroceria, atirando balões
onde passavam e recebendo balonadas também, verdadeiros cortejos carnavalescos,
primos aquáticos dos corsos e tal. Algumas carrocerias viram piscina
improvisada, e o pessoal já desfila molhando já estando molhado.
Claro que
sempre há idiotas que põem líquidos que não são água. Até gelo. Mas aí já é
assunto criminal. É com a polícia. E também os mal-humorados, que se ofendem
com a brincadeira.
Por isso a
brincadeira sofreu um baque nos últimos anos. Mas felizmente se providenciou
áreas específicas à brincadeira, bem avisado pra quem passar: Foi porque quis.
Quando cheguei não conhecia isso e meu primo
se espantou de eu ir comprar aqueles carrinhos miniatura Matchbox, que eu era
aficionado, em vez dos divertidíssimos balões de látex. Mas quando soube, não
deu outra.
Uma viagem
rodoviária ao Paraguai era uma festa aos olhos de criança. Como o país não
fabrica carro, a variedade de importado era imensa. Tanto na estrada quanto na
cidade se via modelo que nem se imaginava existir. E os ônibus então. Tudo
lata-velha, montado, improvisado de toda maneira. Eram o que chamávamos camião
caracachá, ou seja, improvisado, em mau estado e mau aspecto. Ao menos assim eu
entendia. Não eram esses frente reta de Cômbi, do qual se diz que o pára-choque
são as pernas do motorista, e sim com focinho, ou seja, com a frente saliente,
montados a partir de camiões. Não se viam dois iguais.
Mamãe,
paraguaia, dizia que antes o país era um golpe atrás do outro, muita
instabilidade. Só quando Stroessner subiu é que tudo se estabilizou, com
mão-de-ferro, mas também só a capital tinha vida. Assunção parecia Buenos Aires
mas já a segunda cidade, Conceição, era como as outras: Vacas na rua, barro,
pobreza. Era que Conceição era foco de oposição e porque pra manter o poder era
mais fácil centralizar o desenvolvimento só à capital.
Nas estradas
brasileiras o de se ver eram os camiões. Predominavam os Mercedes Benz, os
bonitos Scania Vabis sempre vermelhos, e os FNM (Fábrica Nacional de Motores),
que chamávamos fenemê. Os camiões fenemê eram os mais imponentes e
assustadores, de frente alta, sem focinho, com as rodas de raias grossas e um
forte barulho bem típico. Se eu fosse fazer um filme com camião assombrado, na
certa seria um camião fenemê.
Até hoje o
trânsito do Paraguai é de quarto mundo, bem caótico. Meu pai contava que quando
foi diretor de trânsito, até 1977, quando Campo Grande não era capital porque
era ainda Mato Grosso, e o órgão de trânsito era Ciretran (Circunscrição
Regional de Trânsito), recebeu uma proposta do governo paraguaio. Era muito
amigo do cônsul paraguaio, que o chamou pra propor um acordo com tudo pago, pra
implantar lá o sistema de trânsito daqui. Assim o trânsito de lá deixaria de
ser tão bagunçado. Estava tudo acertado mas a cúpula governamental, em Cuiabá,
com inveja, vetou o acordo, que nunca mais foi retomado.
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