Episódio 3
A guerra dos provedores
Texto de Mário Jorge Lailla Vargas
1
Concorrência
acirrada
O esquadrão
Urubu, como é apelidada a equipe da CSI, chegou à caçamba papa-entulho na
avenida Mato Grosso, onde foi encontrado o corpo duma mulher de cerca de 30
anos.
Sendo
identificado se constatou ser mais um caso de vendedor de provedor de internete
assassinado. Um assassino serial de vendedor?
Assim a equipe
se debruçou pra resolver o mistério antes da imprensa perceber o que estava acontecendo.
Quando Mário
chegou, pro tereré da tarde, o pessoal equacionava o mistério.
— Mais um
vendedor de acesso internético? Vamos-lá! Deixa servir mais uma, pra turbinar o
cérebro e virar Super-Mário, pois pra mim o tereré é igual o espinafre pra Popai
e o super-amendoim pra Super-Pateta.
— Não parece
ser um serial, pois as mortes não seguem um padrão. — Disse Ciro.
— Peraí!
Ultimamente venho recebendo telefonema e imeio de vendedores, de várias
provedoras, apelando preu mudar de provedor. Várias operadoras. E se estou
querendo fechar com algum, vem outro encima, querendo passar encima do colega,
criando até clima de mistério. Uma pediu, por misericórdia, porque precisava da
comissão pra pagar o colégio da filha. Um oferece um plano porque outro preferiu
vender outro plano, mais caro. Então o careiro se arrepende e tenta tomar o
cliente do outro... Mais parece uma novela radiofônica. Decerto a coisa tá tão
feia que já estão se matando. Ou algum cliente psicopata, revoltado com o
onipresente maquiavelismo dos vendedores. Taí: Se, algum dia, eu virar
psicopata, serei serial de vendedor ou de crente que prega porta-a-porta.
— Pior que
vendedor só advogado mesmo.
— Então os
principais suspeitos são concorrentes, seja da empresa ou da concorrência!
— Se bem que
se fosse só por concorrência acirrada os vendedores de bujão de gás já teriam
se matado de vez. Garagem de carro usado, então...
— É que o
mundo desses vendedores é de intensa competitividade. Ganham pouco e são muito
pressionados a cumprir meta. E as empresas... — Disse Gláuder.
— As empresas
vivem dando rasteira nos clientes. As que têm provedor de linha e provedor de
acesso, uma manda ligar à outra quando há problema de conexão. Gláuder, contes
aquela da BR-Turco.
— É que há uma
contestação judicial de que é ilegal se ter de pagar dois provedores pra se ter
o mesmo acesso. E o pior é que a mesma empresa opera em ambos lados, fingindo
ser empresas diferentes. Quando reclamamos juram, de pé-junto, que não são a
mesma empresa. Mas dia desses liguei à Brasil-Telecão e a atendente se
atrapalhou: Alô,
BR-Turco. Não! Quer dizer, Brasil-Telecão!
— Quá quá quá
quá!
— O caso é que
temos de resolver logo, antes que a imprensa saiba. Mas estamos mais perdidos
que forasteiro procurando endereço em Campo Grande. — Disse Gláuder.
— O jeito é ir
entrevistar o pessoal e bancar o durão, dando carteirada, ou seja, mostrando o
distintivo, igual nos CSI gringos.
Ciro já foi
rindo:
— Quá quá quá!
No Brasil, se bancar o durão logo vem o direito humano reclamar. E se der
carteirada teremos de perder uma hora com cada entrevistado, até ele verificar
se é verdadeira.
— Pois é. Mas
temos de tentar. Vamos-lá!
2
Cibervendedores
Começaram
visitando os colegas e parentes das vítimas, procurando um fio-da-meada. Mas
nada. Ninguém se incriminava, mesmo odiando tanto o emprego.
O pessoal ceessiense
estava desanimado.
Gláuder estava
cogitando recorrer à experiência de Ciro em câmera escondida porque faz tempo
que luta pra afastar Lígia legista do espiritismo.
— Ô, Ciro! É
que estamos mal de equipamento. Até de treinamento. E Lígia já quer fazer
sessão pra achar uma pista. Tens experiência em esconder câmera no vestiário
das garotas no clube do sindicato. Na internete és craque em se fazer passar
por uma garota nas conversas em rede, com câmera, e ficar amiga, até a convencer a outra a fazer um estripe prà ensinar a
fazer pro namorado.
— Tá bom, tá
bom! Não espalhes! Puxa! Acho que é por isso que Mário não me dá o correios das
amigas.
— Depois
daquela cantada na sobrinha...
— Foi mal, foi
mal...
Apareceu
Natália com maço de papel na mão.
— Relatórios
de Lígia legista e de Peri perito.
— Peri?
— É um
trocadilho. Não tem Peri na equipe.
— Não tem
impressão digital nos cenários de crime.
— Ai! Com
nossa falta de verba, digital só o dedo no teclado e impressão só vaga
impressão, nenhuma certeza.
— Todas as
vítimas eram vendedores de provedor internético, que disputavam promoção de
cargo. Mas o caso é que as vítimas são de todas as empresas que operam aqui.
Basta cair um fio de pêlo e se pode tirar o adeene do assassino. Mas em nenhum
tem isso. O mais notável é que nas mortes a tiro a precisão é assombrosa, um
atirador ainda melhor que Raquel do CSI Maiame. Nas mortes a facada essa
precisão ficou ainda mais evidente: Ângulo, força, profundidade e movimento da
lâmina tão idênticos que parecem feitos por um cirurgião-robô.
— Muito bem!
Temos de montar um estratagema pra fazer os vendedores falarem mais e achar
pista.
— E a melhor
maneira de fazer um vendedor falar é o fazer pensar... que está diante dum comprador.
3
De tanto
sofrer com a burrice natural fui estudar inteligência artificial
Pois é: Aquilo
de inquisição no porão com janela espelhada, dando duro no suspeito, que num
surto de emocionalismo juvenil resolve dizer cobras e lagartos, mesmo com seu advogado
tentando o fazer se calar, é coisa mesmo de seriado televisivo.
Na vida real o
inquirido não costuma ser tão burro assim.
Chamaram Mário
ao tereré da tarde, que chegou com duas garrafas pete quase congeladas.
— Trouxe
limonada com café, pra turbinar o tereré. Essa bebida psicotônica ajudará a
inspirar ou a baixar o caboclo Xerloque Rolmes.
— Já
investigamos todos os hospitais onde há cirurgia robótica. Nenhum aparelho foi
roubado. Mesmo porque seria surreal pôr a máquina em ação fora da sala de cirurgia.
Natália
apareceu com folha de papel na mão:
— O CSI São
Francisco informou que um robô, descartado dum projeto de inteligência
artificial do vale do Silicone, num depósito de Pau Alto, foi roubado antes de
ser reciclado.
Ciro caiu na
risada:
— Quá quá quá quá! Silicon valley é vale do Silício. Ou esse é a central tecnológica
dos travestis e turbinadas?
— Aé! Hehehe.
Mário se
lembrou de algo.
— Olhaí,
Glaudão. Não teve um caso dum sujeito que lutou pra buscar o corpo dum parente
que morreu em Losângeles?
— Sim. Vítima
dum misterioso assalto. Fez um escarcéu danado na imprensa pra fazer uma
vaquinha pra buscar o corpo.
— Hummmm. Bom
conferir se é o morto quem está enterrado. Já que estamos sem pista. Talvez o
robô veio no lugar do morto. Quem sabe algum fazendeiro resolveu usar robô no
lugar daqueles zumbis?
— Mas usar
robô não é escravidão.
— Vá-saber!
Com imposto tão alto. E os desocupados logo criarão uma associação pra defender
os direitos dos robôs.
— Ninguém pôde
ver o morto. Foi tudo muito apressado. Natália. Providencies isso. Teremos de
fazer uma cena de filme de Bóris Karloff. Mas quem teria condição de pôr
novamente em ação um robô sucateado. Tem um professor pardal na cidade?
— Uma central
de telemarquetim. Hehehehe. Já que agora a lei os obriga a que os clientes
sejam atendidos por pessoas e não por máquina. Hehehehe. Essa profissão é uma
das mais estressantes. Por isso digo: De tanto sofrer com a burrice natural
fui estudar inteligência artificial.
— Cê tá
tirando o sarro mas é meio isso mesmo que está acontecendo. — Disse Gláuder.
— Como? Já tem
robô lá?
— É que o povo
já não agüentava mais o péssimo atendimento telefônico, principalmente pra quem
quer cancelar a conta. Fica ouvindo musiquinha até cansar. A gravação mandando
teclar uma opção nunca termina de se ramificar. E muitas vezes cai a linha ou
chega ao ponto de partida, num ciclo vicioso. Disso todo mundo tá cansado de
saber. Então fizeram uma lei ordenando que o atendimento seja feito por uma
pessoa, um ser vivo, não uma máquina. E entrou em cena o jeitinho brasileiro: Basta discar 10621. O atendente pedirá teu CPF
e um instante pra consultar a ficha. Avisará que não encontrou. Mais um
instante e dirá: Á!
Encontrei! Eis a ficha! Tudo bem engenhoso pra simular um atendimento
humano. Que comédia!
— Quá quá quá
quá!
Lígia contou
que havia um corpo que ao se aproximar pra autopsiar sentiu que tinha algum dom
mediúnico. Se concentrou e quando o tocou recebeu uma mensagem que dizia Sirva café e
mate. Em seguida uma sensação de que o assassino não tinha alma.
— A vítima
teve sensação de que o assassino não tinha alma. Como uma coisa, não uma
pessoa.
— Um robô! —
Disse Mário. Gláuder chamou Pauloco.
— Ciro,
precisamos de teu serviço de vuaiê, espião erótico, o que seja. Tens um celular
novinho, equipado com raio-x, pra ver as garotas embaixo da roupa.
— Sim. Comprei
no Mercado Livre.
— Dês um jeito
de o esconder. Se encontrarmos o robô logo perceberemos. Deve ser alguém que
não viaja, pois logo veriam sua engrenagem no aeroporto.
— Se viaja
muito já está com câncer, de tanto passar no raio-x do aeroporto. Hahahaha. —
Disse Mário. — Talvez seja um sujeito esquisito, meio zumbi. Ou um palestrante
bem-falante.
— Fico com o
zumbi. A inteligência artificial ainda está muito embrionária. Pauloco. Precisamos
de teu serviço de ráquer, cráquer, fráquer, quáquer ou sei-lá mais o quê, caso
seja um robô conectado.
Ciro:
— Tenho de
focar nas funcionárias também. Pois pode ser uma roboa.
4
Mato e morro,
nos dois sentidos
De visita a
visita chegaram ao CPD duma empresa terceirizada, que fornecia o suporte ao
telemarquetim, mas que ainda funcionava em estágio experimental na cidade. Ciro
apontou o sujeito sem víscera. Era um contínuo. Não era de muita conversa e
parecia mesmo um daqueles tipos rotineiros, bem simplórios. Um inquérito
revelou que vivia de casa ao trabalho, do trabalho a casa. Em casa não tinha
vestígio de atividade intelectual, mesmo vivendo sozinho.
Pauloco
invadiu o computador do sujeito e achou a frase Sirva café e mate dentro dum
arquivo .dll, numa pasta que nada tinha a ver com o sistema do computador.
— Se o robô
entrou em conflito com o duplo sentido da frase pode ter executado o comando
sob os dois sentidos!
Um colega
confirmou:
— Quando fazia
algo parecia normal mas ao servir café e tereré ficava meio baratinado. Um
sujeito bem esquisito!
Mário rabiscou
um bilhete e passou a Gláuder.
— Temos de o
vigiar, pois caso seja o assassino pode matar a qualquer momento. Deixaremos
Frankenstein, e o médico e o monstro de lado e brincaremos de Gólem. Pauloco,
troques o comando ali. Escrevas Mato não, morro. Então o seguiremos.
Naquele fim de
expediente o robô não matou. Perambulou na cidade evitando os matagais e
procurando as ladeiras. No alto da última rasgou o peito com a mão e arrancou
uns fios, rolando até cair inerte.
O verdadeiro
funcionário tinha uma fortuna obtida na explosão de caixas eletrônicos e pusera
o robô pra trabalhar em seu lugar enquanto desfrutava férias perenes. Foi preso
esquiando em Bariloche.
Mário levou o
robô.
— Será meu
escravo escaneador. Experimentarei um projeto de inteligência artificial pra
que escaneie livro e gibi exatamente como se fosse eu.
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