quinta-feira, 19 de julho de 2012

Episódio 3
A guerra dos provedores
Texto de Mário Jorge Lailla Vargas
1
Concorrência acirrada
O esquadrão Urubu, como é apelidada a equipe da CSI, chegou à caçamba papa-entulho na avenida Mato Grosso, onde foi encontrado o corpo duma mulher de cerca de 30 anos.
Sendo identificado se constatou ser mais um caso de vendedor de provedor de internete assassinado. Um assassino serial de vendedor?
Assim a equipe se debruçou pra resolver o mistério antes da imprensa perceber o que estava acontecendo.
Quando Mário chegou, pro tereré da tarde, o pessoal equacionava o mistério.
— Mais um vendedor de acesso internético? Vamos-lá! Deixa servir mais uma, pra turbinar o cérebro e virar Super-Mário, pois pra mim o tereré é igual o espinafre pra Popai e o super-amendoim pra Super-Pateta.
— Não parece ser um serial, pois as mortes não seguem um padrão. — Disse Ciro.
— Peraí! Ultimamente venho recebendo telefonema e imeio de vendedores, de várias provedoras, apelando preu mudar de provedor. Várias operadoras. E se estou querendo fechar com algum, vem outro encima, querendo passar encima do colega, criando até clima de mistério. Uma pediu, por misericórdia, porque precisava da comissão pra pagar o colégio da filha. Um oferece um plano porque outro preferiu vender outro plano, mais caro. Então o careiro se arrepende e tenta tomar o cliente do outro... Mais parece uma novela radiofônica. Decerto a coisa tá tão feia que já estão se matando. Ou algum cliente psicopata, revoltado com o onipresente maquiavelismo dos vendedores. Taí: Se, algum dia, eu virar psicopata, serei serial de vendedor ou de crente que prega porta-a-porta.
— Pior que vendedor só advogado mesmo.
— Então os principais suspeitos são concorrentes, seja da empresa ou da concorrência!
— Se bem que se fosse só por concorrência acirrada os vendedores de bujão de gás já teriam se matado de vez. Garagem de carro usado, então...
— É que o mundo desses vendedores é de intensa competitividade. Ganham pouco e são muito pressionados a cumprir meta. E as empresas... — Disse Gláuder.
— As empresas vivem dando rasteira nos clientes. As que têm provedor de linha e provedor de acesso, uma manda ligar à outra quando há problema de conexão. Gláuder, contes aquela da BR-Turco.
— É que há uma contestação judicial de que é ilegal se ter de pagar dois provedores pra se ter o mesmo acesso. E o pior é que a mesma empresa opera em ambos lados, fingindo ser empresas diferentes. Quando reclamamos juram, de pé-junto, que não são a mesma empresa. Mas dia desses liguei à Brasil-Telecão e a atendente se atrapalhou: Alô, BR-Turco. Não! Quer dizer, Brasil-Telecão!
— Quá quá quá quá!
— O caso é que temos de resolver logo, antes que a imprensa saiba. Mas estamos mais perdidos que forasteiro procurando endereço em Campo Grande. — Disse Gláuder.
— O jeito é ir entrevistar o pessoal e bancar o durão, dando carteirada, ou seja, mostrando o distintivo, igual nos CSI gringos.
Ciro já foi rindo:
— Quá quá quá! No Brasil, se bancar o durão logo vem o direito humano reclamar. E se der carteirada teremos de perder uma hora com cada entrevistado, até ele verificar se é verdadeira.
— Pois é. Mas temos de tentar. Vamos-lá!
2
Cibervendedores
Começaram visitando os colegas e parentes das vítimas, procurando um fio-da-meada. Mas nada. Ninguém se incriminava, mesmo odiando tanto o emprego.
O pessoal ceessiense estava desanimado.
Gláuder estava cogitando recorrer à experiência de Ciro em câmera escondida porque faz tempo que luta pra afastar Lígia legista do espiritismo.
— Ô, Ciro! É que estamos mal de equipamento. Até de treinamento. E Lígia já quer fazer sessão pra achar uma pista. Tens experiência em esconder câmera no vestiário das garotas no clube do sindicato. Na internete és craque em se fazer passar por uma garota nas conversas em rede, com câmera, e ficar amiga, até a convencer a outra a fazer um estripe prà ensinar a fazer pro namorado.
— Tá bom, tá bom! Não espalhes! Puxa! Acho que é por isso que Mário não me dá o correios das amigas.
— Depois daquela cantada na sobrinha...
— Foi mal, foi mal...
Apareceu Natália com maço de papel na mão.
— Relatórios de Lígia legista e de Peri perito.
— Peri?
— É um trocadilho. Não tem Peri na equipe.
— Não tem impressão digital nos cenários de crime.
— Ai! Com nossa falta de verba, digital só o dedo no teclado e impressão só vaga impressão, nenhuma certeza.
— Todas as vítimas eram vendedores de provedor internético, que disputavam promoção de cargo. Mas o caso é que as vítimas são de todas as empresas que operam aqui. Basta cair um fio de pêlo e se pode tirar o adeene do assassino. Mas em nenhum tem isso. O mais notável é que nas mortes a tiro a precisão é assombrosa, um atirador ainda melhor que Raquel do CSI Maiame. Nas mortes a facada essa precisão ficou ainda mais evidente: Ângulo, força, profundidade e movimento da lâmina tão idênticos que parecem feitos por um cirurgião-robô.
— Muito bem! Temos de montar um estratagema pra fazer os vendedores falarem mais e achar pista.
— E a melhor maneira de fazer um vendedor falar é o fazer pensar... que está diante dum comprador.
3
De tanto sofrer com a burrice natural fui estudar inteligência artificial
Pois é: Aquilo de inquisição no porão com janela espelhada, dando duro no suspeito, que num surto de emocionalismo juvenil resolve dizer cobras e lagartos, mesmo com seu advogado tentando o fazer se calar, é coisa mesmo de seriado televisivo.
Na vida real o inquirido não costuma ser tão burro assim.
Chamaram Mário ao tereré da tarde, que chegou com duas garrafas pete quase congeladas.
— Trouxe limonada com café, pra turbinar o tereré. Essa bebida psicotônica ajudará a inspirar ou a baixar o caboclo Xerloque Rolmes.
— Já investigamos todos os hospitais onde há cirurgia robótica. Nenhum aparelho foi roubado. Mesmo porque seria surreal pôr a máquina em ação fora da sala de cirurgia.
Natália apareceu com folha de papel na mão:
— O CSI São Francisco informou que um robô, descartado dum projeto de inteligência artificial do vale do Silicone, num depósito de Pau Alto, foi roubado antes de ser reciclado.
Ciro caiu na risada:
— Quá quá quá quá! Silicon valley é vale do Silício. Ou esse é a central tecnológica dos travestis e turbinadas?
— Aé! Hehehe.
Mário se lembrou de algo.
— Olhaí, Glaudão. Não teve um caso dum sujeito que lutou pra buscar o corpo dum parente que morreu em Losângeles?
— Sim. Vítima dum misterioso assalto. Fez um escarcéu danado na imprensa pra fazer uma vaquinha pra buscar o corpo.
— Hummmm. Bom conferir se é o morto quem está enterrado. Já que estamos sem pista. Talvez o robô veio no lugar do morto. Quem sabe algum fazendeiro resolveu usar robô no lugar daqueles zumbis?
— Mas usar robô não é escravidão.
— Vá-saber! Com imposto tão alto. E os desocupados logo criarão uma associação pra defender os direitos dos robôs.
— Ninguém pôde ver o morto. Foi tudo muito apressado. Natália. Providencies isso. Teremos de fazer uma cena de filme de Bóris Karloff. Mas quem teria condição de pôr novamente em ação um robô sucateado. Tem um professor pardal na cidade?
— Uma central de telemarquetim. Hehehehe. Já que agora a lei os obriga a que os clientes sejam atendidos por pessoas e não por máquina. Hehehehe. Essa profissão é uma das mais estressantes. Por isso digo: De tanto sofrer com a burrice natural fui estudar inteligência artificial.
— Cê tá tirando o sarro mas é meio isso mesmo que está acontecendo. — Disse Gláuder.
— Como? Já tem robô lá?
— É que o povo já não agüentava mais o péssimo atendimento telefônico, principalmente pra quem quer cancelar a conta. Fica ouvindo musiquinha até cansar. A gravação mandando teclar uma opção nunca termina de se ramificar. E muitas vezes cai a linha ou chega ao ponto de partida, num ciclo vicioso. Disso todo mundo tá cansado de saber. Então fizeram uma lei ordenando que o atendimento seja feito por uma pessoa, um ser vivo, não uma máquina. E entrou em cena o jeitinho brasileiro: Basta discar 10621. O atendente pedirá teu CPF e um instante pra consultar a ficha. Avisará que não encontrou. Mais um instante e dirá: Á! Encontrei! Eis a ficha! Tudo bem engenhoso pra simular um atendimento humano. Que comédia!
— Quá quá quá quá!
Lígia contou que havia um corpo que ao se aproximar pra autopsiar sentiu que tinha algum dom mediúnico. Se concentrou e quando o tocou recebeu uma mensagem que dizia Sirva café e mate. Em seguida uma sensação de que o assassino não tinha alma.
— A vítima teve sensação de que o assassino não tinha alma. Como uma coisa, não uma pessoa.
— Um robô! — Disse Mário. Gláuder chamou Pauloco.
— Ciro, precisamos de teu serviço de vuaiê, espião erótico, o que seja. Tens um celular novinho, equipado com raio-x, pra ver as garotas embaixo da roupa.
— Sim. Comprei no Mercado Livre.
— Dês um jeito de o esconder. Se encontrarmos o robô logo perceberemos. Deve ser alguém que não viaja, pois logo veriam sua engrenagem no aeroporto.
— Se viaja muito já está com câncer, de tanto passar no raio-x do aeroporto. Hahahaha. — Disse Mário. — Talvez seja um sujeito esquisito, meio zumbi. Ou um palestrante bem-falante.
— Fico com o zumbi. A inteligência artificial ainda está muito embrionária. Pauloco. Precisamos de teu serviço de ráquer, cráquer, fráquer, quáquer ou sei-lá mais o quê, caso seja um robô conectado.
Ciro:
— Tenho de focar nas funcionárias também. Pois pode ser uma roboa.
4
Mato e morro, nos dois sentidos
De visita a visita chegaram ao CPD duma empresa terceirizada, que fornecia o suporte ao telemarquetim, mas que ainda funcionava em estágio experimental na cidade. Ciro apontou o sujeito sem víscera. Era um contínuo. Não era de muita conversa e parecia mesmo um daqueles tipos rotineiros, bem simplórios. Um inquérito revelou que vivia de casa ao trabalho, do trabalho a casa. Em casa não tinha vestígio de atividade intelectual, mesmo vivendo sozinho.
Pauloco invadiu o computador do sujeito e achou a frase Sirva café e mate dentro dum arquivo .dll, numa pasta que nada tinha a ver com o sistema do computador.
— Se o robô entrou em conflito com o duplo sentido da frase pode ter executado o comando sob os dois sentidos!
Um colega confirmou:
— Quando fazia algo parecia normal mas ao servir café e tereré ficava meio baratinado. Um sujeito bem esquisito!
Mário rabiscou um bilhete e passou a Gláuder.
— Temos de o vigiar, pois caso seja o assassino pode matar a qualquer momento. Deixaremos Frankenstein, e o médico e o monstro de lado e brincaremos de Gólem. Pauloco, troques o comando ali. Escrevas Mato não, morro. Então o seguiremos.
Naquele fim de expediente o robô não matou. Perambulou na cidade evitando os matagais e procurando as ladeiras. No alto da última rasgou o peito com a mão e arrancou uns fios, rolando até cair inerte.
O verdadeiro funcionário tinha uma fortuna obtida na explosão de caixas eletrônicos e pusera o robô pra trabalhar em seu lugar enquanto desfrutava férias perenes. Foi preso esquiando em Bariloche.
Mário levou o robô.
— Será meu escravo escaneador. Experimentarei um projeto de inteligência artificial pra que escaneie livro e gibi exatamente como se fosse eu.

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