terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O samba do branquelo doido
Cena 1
O chefe de redação está explicando à repórter novata a missão a cumprir.
Chefe de redação: No hospício tem um louco que pensa que é sambista. Dará uma boa matéria carnavalesca. Tens de ir até lá o entrevistar.
Repórter: Ai, meu-deus! Essa não! Tenho medo!
Chefe de redação: Onde se viu repórter com medo? Como serás correspondente de guerra? Como entrevistar traficante no morro? Não! Tens de ir. É assim que se começa, pois depois é que vem o bem-bom: Apresentar o telejornal sentado à mesa. Faças uma vibrante entrevista. Seu nome é Branquinho da Vila Alba. Só tem uma recomendação: Jamais, em hipótese alguma, mencionar alguma frase como depois do Carnaval, quando o Carnaval acabar. Nada disso. É muito perigoso. Fora isso ele é só alegria.
Repórter: Ai, que medo! Entre reportar no hospício ou corresponder na guerra alguma diferença?!
Cena 2
O sujeito branquinho, lourinho, com um apito pendurado no pescoço, sambando sozinho como se comandasse um desfile de escola de samba. Apitando e sambando, fazendo aqueles gestos que são uma mistura de maestro de orquestra sinfônica bêbado com mestre-de-bateria louco diante duma bateria invisível. Ela faz uma cara de medo, fecha os olhos e se aproxima devagar, tremendo.
Repórter: O senhor é o quê aqui?
O sambista chega bem ao ouvido dela e grita, como se estivesse um som muito alto.
Sambista: Fales um pouco mais alto que não estou ouvindo.
Repórter: O senhor é o quê aqui?
Sambista: Sou mestre-de-bateria, diretor da escola e compositor.
Repórter: O ano inteiro trabalhando preste dia. Muito sacrifício. Muita esperança da escola ser campeã?
O sambista faz uma respiração ofegante, igual entrevista de jogador de futebol.
Sambista: Ééééé... Sabes como é. Carnaval é uma caixinha de surpresa. Mas, respeitando os adversários, nos empenhamos ao máximo pra obter um resultado positivo.
Repórter: A escola está pronta pra desfilar?
Sambista: Sim. Como podes ver [e aponta à multidão invisível] são 20 mil componentes. A outra ponta ainda está no morro. Não sei se dará tempo de passar todo mundo. Deve estourar o tempo mas aí estoura a boca do balão também. Primeiro saiu a Velha-guarda do Jardim de Infância, depois a Mocidade Independente do Asilo dos Velhos, a Estação Primeira da Ferroviária, a Unidos dos Divorciados e nós: Acadêmicos dos Cabuladores.
Repórter: Algum problema de última hora?
Sambista: Temos de fazer bonito, afinal nossa majestade, rei Momo, chegou pra ver a festa do maior país carnavalesco do mundo. Mas problemas sempre surgem. O problema é um impasse com a ala naturista. O regulamento da liga proíbe a genitália despida e o regulamento da federação naturista proíbe a genitália vestida. Estamos tentando fazer uma conciliação pra poder começar o desfile. Outro impasse é que a garota do tempo dum telejornal disse que hoje não chove. Noutro canal diz que chove. De modo que o pessoal não sabe se desfilará com guarda-chuva.
Repórter: Qual o segredo do barracão? Todo ano tem um segredo. Carnaval sem segredo não é carnaval.
Sambista: É o carro que representa os times de futebol. Mas é segredo porque assim como proibiram o cristo mendigo temos medo que a Igreja mande excluir São Paulo, Santos, Santa Cruz, São Caetano, etc.
Repórter: E a musa da escola?
Sambista: É Ritinha Mata-o-Velho.
Aponta com as mãos e acompanha uma garota invisível dançando.
Sambista: É essa nossa musa. Olhaí, dançando, quase peladinha! Sabes como é: Carnaval sem mulher pelada não é carnaval. Já foi eleita a musa deste carnaval e ganhou o concurso do Caldeirão.
O sambista dá uma olhada na repórter, de cima a baixo, 360 graus.
Sambista: Até que cê é bem bonitinha, hem! Dava uma bela rainha de bateria. Ou então uma garota do tempo de telejornal.
Repórter: Hehehe. Hoje não posso porque estou trabalhando.
Sambista: Que pena, que pena!
Repórter: E qual é o tema da escola?
Sambista: É sobre nós, brancos, que somos muito discriminados. Imagines que tem cota pra negro, pra mulher, pra pobre mas não temos cota pra branco em concurso e vestibular, nem em eleição. Fazemos uma exaltação à branquitude, a esta pele branca, bonita.
Repórter: E dá pra mostrar que tem samba no pé?
Ele dá uma sambadinha de turista e a repórter faz careta como tomando chá de eucalipto.
Repórter: Ai! Então tá! E um trecho do enredo?
Ele agacha, levanta, rodopia, esquidum, esquidundum!, agacha, levanta... ela, assustada, faz careta.
Sambista: Olha o Acadêmicos aí, gente! Dá-lhe, portanto! Bimba! Bimba! Que lindo! Que lindo! Esquidum, esquindô, é no teleco-teco, é no balaco-baco, é no ziriguidum, esquindê-lelê, esquindô-lalá, é no borogodó, é no cachinguelê. E o sanatório mostra como é louco o louco, ô louco! Eu vou, eu vou, amor. Eu vou nessa viagem mutcho louca dentro desse hospício!
Enquanto canta vai agachando e levantando, e o microfone acompanhando.
Pegou uma coroa de princesa, não se sabe donde e pôs na cabeça da repórter.
Repórter: o quê?
Sambista: Estás nomeada princesa honorária da imprensa. E comecemos logo o desfile porque, como estás vendo, são dez mil componentes. Se bobear pode estourar o tempo.
E saiu apitando, sambando, esquidum!, sacudindo uma mão e, com a outra, arrastando a princesa compulsória.

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