sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Suplemento-revista dominical de El espectador, Bogotá

Crônicas limenhas 3
Da autobiografia não autorizada de Che Guavira
As escadarias à praia ● A demonização da coca e do baralho Água suja Minha aventura ciclística Um mar de museus Santos que foram deuses Submarino real e fictício Brasília, o grande erro Tristeza! Cada capital com seus malucos
A partir da Ricardo Palma dois estirões vão direto à praia: A José Pardo, que desemboca numa escadaria pronta, e a José Pardo, cuja escadaria, difícil de achar, fica na altura da ponte de Vilhena, num acesso estreito e com muitos trechos em obra. Tem que ter fôlego pra encarar principalmente a subida. Dei muita volta pra achar. Tinha até um grupo de turista na mesma situação. Com gesto indiquei a entrada.
— Speak english?
— Nou. Nou ispique.
Na primeira descida fui ao restaurante Rosa náutica, construído encima dum recife, com vista panorâmica. Um grupo de japoneses fotografando os pássaros marinhos de bico vermelho, alguma espécie de fragata. Muito surfista mas quase nenhum banhista. O garção disse que se toma banho, mas com algum calçado, como sandália, porque tem pedra cortante.
Ao lado do restaurante uma lojinha vendendo licor, café em pó, chocolate, folha de coca. Comprei um pacote de folha de coca e uma garrafinha de licor de coca.
Masquei muita folha de coca e só o que senti foi um pouco de adormecimento no palato, como se fosse menta. Decerto pra ter efeito palpável tem de mascar o dia inteiro, como fazem trabalhadores rurais.
Não sei por quê essa demonização da coca que tem aqui. Afinal de qualquer coisa se pode fazer droga. Até xarope pode ser usado como droga, ou cheirar cola. Deve ser o preconceito gerado pelo estereótipo.
Uma vez tivemos um ponto facultativo no serviço. Aqueles feriados emendados que ficam meio feriado meio não. O pessoal jogava muito bozó. Alguém levou baralho. De repente a chefe irrompeu com aquela expressão de pavor histérico tipo filme de drácula, Não, não vás ao castelo!, e mandou guardar, porque é proibido, patati-patatá.
Só porque é baralho. Ou seja: Puro preconceito.
Com a sem-graça coca acontece o mesmo.
No dia seguinte voltei à praia com idéia de entrar na água, mesmo fria. Aqueles calhaus redondos e grandes no lugar da areia já é desconfortável de pisar. Mais a incerteza das pedras a diante e a onda arrebentando forte na areia. Mas foi só a onda bater nas coxas, molhando a bermuda e deixando um cheiro horroroso de mar sujo, pra desistir de vez da idéia maluca de entrar na água.
E os surfistas? Sei-lá! Deve ser alguma subespécie adaptada ou um bando de malucos que não se importam com a saúde. Definitivamente: Ter muita gente na água não é recomendação de banho.
A avenida beira-mar de Lima fica no alto do morro. Lindas calçadas e muros de pedra. Uma paisagem deslumbrante sob um céu venusiano. Se é uma parte onde Lima é bonita, é ali. E põe beleza nisso!
Nas sinuosas calçadas muitos corredores, bicicletas e pedestres. A gente tem de estar atento pra não atrapalhar a passagem dos corredores e ciclistas. Ali parece não haver a impaciência e irritação do trânsito. Todos convivem harmoniosamente.
Numa barraca tinha bicicleta pra alugar. 20 sóis por hora. Peguei uma, pra matar a saudade de andar de bicicleta, pois em Campo Grande não dá, com asfalto tão ruim machuca todo o sentador, e como a cidade não é plana nem os motoristas bem-educados…
Os telejornais sempre falaram muito nisso de usar bicicleta, mas se esquecem de que só é viável em cidade plana, a não ser que seja motorizada.
Frente ao mar, peguei a direção esquerda. Enquanto estava plano, maravilha. Mas na ponta fui descendo o morro em espiral, descida bem acentuada, precisando frear a todo momento. A ciclovia terminou numa rodovia sem acostamento. Então voltei a pé, empurrando a bicicleta, pois só o Super-homem pra subir nela.
O locador disse que mais abaixo na rodovia a ciclovia continua. Melhor não responder, pra não xingar o cara.
Poderia continuar, nessa vez indo ao lado direito, mas preferi entregar o veículo. Foi a decisão mais acertada, pois dali procurei a descida ao restaurante Rosa náutica, e a bicicleta seria um estorvo, pois só tem descida em escada e a bicicleta não tem roda quadrada.
Quando desci o morro em bicicleta toda a lateral era avenida, desembocando na rodovia. O barulho era intenso, e quanto mais baixava mais forte o cheiro de escapamento automobilístico. Os corredores mais radicais subiam e desciam ali. Fiquei pensando no quê aqueles corredores teriam na cabeça, pois se correm na ilusão de que isso é saúde, na verdade conseguem o contrário, pois correndo absorvem muito mais poluição do que respirando andando. Correr na beira-mar ainda vá, mas ali, junto aos carros! Tem cada maluquice neste mundo!
Quase todo museu funciona assim: Se paga a entrada e no fim se dá uma gorjeta espontânea ao guia.
O museu Larco é especializado em estatuetas e recipientes de cerâmica. Tem uma seção de estatuetas eróticas, bem estilizado. Tem uma sala com imensas prateleiras até o teto, com as peças sobrantes, que não foram expostas. É um dos raros museus que deixa acessível ao visitante o excesso de contingente.
O museu do Exército é num forte meio acastelado, com ameia e tudo, de frente ao mar. Tem uma coleção de tanques da segunda guerra mundial, da qual o Peru não participou porque estava em guerra contra o Equador. Foi ali que contou sobre os ramos dobrados em luto pelas províncias perdidas. O Equador também deve ter seus ramos dobrados…
No museu da Catedral um percurso em todo o recinto, com muita pintura e escultura. Ali um mexicano, diante da estátua da virgem, perguntou se seria um caso duma deusa transformada em santa, como ocorreu em sua cidade natal. Eu disse que é um fenômeno corriqueiro, que muitos deuses viraram santo, como, por exemplo, uma (tem mais de uma) santa Brígida, que nada mais é que a deusa Brigite santificada. Que até tem um livro que fala só sobre o assunto, Os santos pagãos - deuses ontem, santos hoje, de Juan G Atienza. O guia ficou muito interessado em adquirir o livro.
Um muito interessante é o museu do Submarino, que é um submarino mesmo. Eu era o único visitante no momento. Eu e o guia subimos no cais e descemos uma escada estreita, metálica, no alto do submarino.
Esse submarino é ianque dos anos 1950, da época do seriado Viagem ao fundo do mar.
Eu disse ao guia que seria interessante fazer uma tese comparando o submarino verdadeiro com o da série televisiva. Mostrar o que tem de inverossímil e ou fantasioso na série, etc. Um vídeo assim seria muito bacana.
O submarino verdadeiro tem espaço muito estreito. Mal dá pra andar ali. Todo espaço é aproveitado ao máximo. As mesas e camas são dobráveis. Até a pia pra lavar o rosto, escovar os dentes e fazer a barba é retrátil e dobrável. Tudo muito engenhoso. A passagem é muito estreita em toda parte. Onde tem as camas, retráteis, quase não dá pra passar quando estão armadas. Um setor, na dianteira, antes da sala de máquina, tem cheiro de mofo. É incrível a quantidade de medidores: Cronômetros, velocímetros e um sem-fim de ômetros. É aparelho a todo lado. No final se simula alarme de incêndio, tocando o alarme e papel laminado simulando fogo. Bonecos manequim exemplificam como dorme um oficial e o pessoal da cozinha. Tem torpedo na popa e na proa.
No submarino da vida real não tem espaço pra tantas peripécias, com luta, correria e até sabotador fugindo na tubulação de ar condicionado! Bom… Na série o submarino é futurista, o Seaview (Vista marinha), que eu sempre entendia Sibil, meio inspirado (classe alta plagia, classe média copia, rico se inspira) no Nautilus de 20.000 léguas submarinas, de Júlio Verne.
A volta foi um pouco atribulada. A pressão no avião fez o catarro do resfriado ir aos ouvidos, por isso não ouvia minha voz nem o tique-taque do relógio de pulso. Como na conexão em Guarulhos a saída seria em Congonhas, perdi o vôo. O seguinte era via Brasília, com espera da manhã à tarde. Então telefonei a minha tia Cecília, em cuja casa morei quando criança em 1971 e 1972, e fui pertardar (pernoitar na tarde) lá.
Titia lamentava eu não me formar nem me casar. Eu dizia que hoje tem faculdade a todo lado, até curso de uma vez por semana, até na internete. Todo mundo é formado. De modo que não é mais uma elite. Esse prestígio todo do diploma é coisa de quando se amarrava cachorro com lingüiça e paraguaio com tabaco. E que a gente se casa quando cresce. Como ainda não cheguei a 1,80m…
Brasília está muito diferente daquela época. Não sei se era o resfriado que me deixava enjoado ou se a cidade é ainda mais tumular que Campo Grande. Muito mais árvores, os imensos gramados, os blocos de apartamento. Ali tenho as mais belas lembranças da infância. O número de telefone na época, nunca esqueci, 43-0863.
O que estranhei é não ver as crianças brincando. Eu andava a pé e de bicicleta a todo lado. Tio Benedito proibia sair da quadra, pois era perigoso atravessar a avenida, mas como eu tinha uma paixãozinha na escola, que eu achava que morava na 207, de vez em quando dava uma fugidinha, mas nunca a vi. Nos fins de tarde era uma barulheira infernal, pois no prédio ao lado em frente tinha uma ladeira acentuada onde a molecada descia em carrinho de rolemã, muito em voga na época. Nunca me atrevi a tanto. Minha bicicletinha já me satisfazia.
Estranhei ter muita planta de jardim no gramado, coisa inexistente na época. Mas o que me entristeceu foi uma placa, bem no meio do gramado: Proibido animais no gramado. Ninguém ali, seja passeando ou brincando. Nenhum grupo. Só esparsos e esporádicos idosos andando sozinhos.
E o pior era que o gramado nem era tão cuidado, tão de ouro assim. Em muitas partes pelado, aparecendo a terra.
Tem maluco que corre e maluco que põe placa. Cada capital com seus malucos.
Que espécie de retardado mental mandou pôr aquela placa ali? Os animais brincarão onde? Na calçada? No asfalto? O mesmo tipo de retardado que proíbe entrada de bermuda, de empregado no elevador social, etc. Uma doença, uma praga.
No calçadão litorâneo de Lima estava sempre repleto de gente. Crianças famílias, estudantes, andando nas trilhas, a pé, de bicicleta, correndo, crianças e jovens brincando nos vastos gramados, até um encontro de criadores de cães de pedigri trocando nos gramados, com os cães correndo a todo lado.
E em Brasília uma placa daquelas. Que tristeza!
O centro-oeste brasileiro dá a mesma impressão de faroeste, de centro-oeste ianque, de deserto, de aridez, solidão e estagnação. Deve ser mesmo um fenômeno geológico influindo na psique. Vejam como a Ásia central é estagnada.
Por favor, enterrem essa bobagem que é Brasília ou a deixem como uma espécie de chernobil. Brasília é uma urucubaca. A maior trapalhada que o Brasil cometeu. Construída em área insalubre, muito seca, onde as aulas chegam a ser suspensas por causa da baixa umidade aérea, cuja construção, baseada em profecias supersticiosas e maluquices maçônicas, feita por um arquiteto brega e simplório, levou o país à bancarrota e enriqueceu Juscelino. Restaure o Rio de Janeiro à condição de capital nacional, coisa que nunca lhe deveria ser tirada, ainda menos com aquele argumento fajuto de que capital litorânea seria facilmente atacada. Atacada por quem? Então teríamos de fazer uma capital subterrânea, Subrasília, pois existe míssil!
Os primos estavam preparando uma festa junina praquela noite na casa de primo Preto. Prima Estela chegou com arroz-doce. Tive de encarar umas colheradas daquilo, ante aquela frase Eu que fiz!
Duas coisas que me dão mais ojeriza que cebola crua: Arroz-doce e café-com-leite. Já experimentei o tal arroz-com-leite, pra ter certeza de que não é só porque o anterior não estava bem feito. Não tem jeito. O treco não fica bom nem com pimenta. Café já não é muito atraente pra mim, com leite, então, ai! Eu tinha de tomar aquilo toda manhã antes de ir à escola. Aquele treco açucarado me embrulhava o estômago e embrulha até hoje. Só quando passei mal fui liberado de ter de tomar.

3 comentários:

  1. ola, che. (ou devo dizer JORGE?) ha tempos nao me comunico com voce. estou fazendo hoje, pois entrei no seu blog pra matar a saudade desse velho amigo.
    e JOANCO? como está? espero que tao bem quanto voce. gostei da sua cronica.
    mas, brasilia, se me permite, nao é so isso que voce falou...ela é o covil do maior bando de lulala e os 4.000 ladroes. so que la nao tem abre-te sésamo...so tem...abre-te saco de transporte de propina...e queda-te a meus pés. (acho que é assim que eles falam, a exemplo de ali baba). um dia seremos um pais de primeiro mundo, mas so o seremos se o brasileiro aprender a respeitar o direito do proximo. entao... intao nois nun vai se nunca ! um abraçao pra voce, che e se tiver contato com o joanco, eu gostaria de falar com ele, pois tenho varias revistas (gibis) em quadrinhos que preciso dar um fim nelas,e o fim certo seria uma doaçao ao nosso prezado joanco...
    um abraçao, che.
    deste seu admirador, pancho...
    ps. ainda continuo com a minha doencinha chamada cancer. mas vou vivendo.

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  2. Que saudade, Pancho
    Dia desses comentei com Joanco: E Pancho?
    Escrevas a consthabil@gmail.com
    Um abração
    Tomes chá de graviola e apareças mais

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  3. Que saudade, Pancho
    Dia desses comentei com Joanco: E Pancho?
    Escrevas a consthabil@gmail.com
    Um abração
    Tomes chá de graviola e apareças mais

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