Episódio 5
O caso das piadas de português
Texto de Mário Jorge Lailla Vargas
1
Se é, sai.
Se não é, não sai
O CSI Campo
Grande foi concebido pra investigar casos que os outros órgãos têm vergonha de investigar.
Por isso a agência foi acionada pra desvendar o estranho caso das piadas de
português.
A uma semana
dum encontro mundial de criminalística uma série de espãs com piadas de
português começou a grassar nos meios afins. Isso causou muita preocupação nos
organizadores do evento, pois as piadas causariam mal-estar com nossos
patrícios.
Por sorte a
agência não ficou desfalcada com a saída de Miro, transferido ao CSI Natal,
porque se engraçou cuma loura potiguar em suas andanças topográficas no Rio Grande
do Norte e se mandou de mala-e-cuia. Assumiu a chefia Cláudio Manuel, o rei do
micro, que já foi de tudo, até madeireiro, assim podendo dar mais versatilidade
à puída, maltrapilha e esfarrapada agência. E no lugar de Lígia entrou Ramão
Pontes, eficiente ajudante de pai-de-santo, pra não desguarnecer o lado místico-parapsicológico
das investigações.
A coisa estava
tão feia, que até o CSI Campo Grande recebeu uma gozação:
— Sabes como
se chama o CSI Coimbra? Se é, sai. Se não é, não sai.
Cláudio
telefonou a Mário, consultor honorário interino improvisado:
— Ô, cara.
Provei um lote do lote de hidromel, que acabou de maturar aqui, e tava tão bom.
Tomei um pileque. Vás adiantando lá.
Quando Mário
tocou a campainha soou uma voz:
— A senha!
— O marajá de
Aracaju manda já lingüiça de Maracaju com carne de maracajá e suco de maracujá.
O pessoal
reunido na roda-de-tereré. Gláuder chegou de Ponta Porã pra ver uns negócios.
Estavam discutindo essa verdadeira instituição nacional que é a piada de
português. Gláuder metia o pau e quase monopolizava o tema. Quase, porque Ramão
é outro páreo duro. Ramão disse:
— Vejamos o
que Mário tem a dizer. Gláuder disse que as piadas nasceram porque os portugas
são burros mesmo, o que é um evidente absurdo.
— Ramão está
certo. A origem do anedotário é mais uma conspiração maçônica. Pra demolir o
império dos países católicos, instigaram as independências. Aqui, como somos
muito achegados ao colonizador, instigaram as piadas como forma de o
ridicularizar. E caímos nessa feito patinhos, em vez de manter uma comunidade
ultramarina, como a britânica.
— Quer dizer
que as piadas são mais uma conspiração? — Ciro arregalou os olhos. — Então
devemos mesmo proibir as piadas?
— São. Mas pra
anular a conspiração temos de contar piadas inteligentes e esquecer as
ofensivas, pois proibir é outra conspiração.
— Caramba! Que
o negócio é enrolado!
Lígia mostrou
o relatório do CSI Ponta Porã:
— No mês
passado teve o encontro criminalístico mundial em Assunção. Um canal de tevê
brasileiro entrevistou um criminalista lusitano. Mal o luso disse estar
contente de publicar novas técnicas e outras a ser discutidas no encontro,
apareceu um sujeito, evidentemente disfarçado, barba muito negra e espessa e
óculos escuros, fazendo bem o estereótipo do espião nos cartuns humorísticos, e
disse ser preciso traduzir o português lusitano ao brasileiro: Que o
entrevistado disse que queria era ir logo ao encontro no Brasil, pra ver muita
mulata e carnaval, mas que sua mulher não pode ver a entrevista. Pensamos que
seria um daqueles quadros de câmera escondida tipo topa-tudo mas soubemos que
não, e nas fitas gravadas do evento não mais se localizou o misterioso sujeito.
— Ciro tem uma
suspeita, pois tem uma correspondente lusitana, Raquel, que detesta
brasileiros. — Disse Gláuder.
— Bom... Pois
é... Ontem falei com Eugénia, do CSI Vila Real, confirmando que o Se é, sai. Se não é, não sai foi mandado
por Raquel.
— Muito
estranho. Pela lógica Raquel mandaria como piada de brasileiro. Então, Ciro,
conversemos com Raquel em conferência a três. — Disse Mário.
Ficou
combinado pro fim de tarde a conferência. Disse Ciro.
— Mas vejas se
não ficas ouvindo Agnetha a todo volume. Assim não ouves tocar o telefone.
2
Em mares nem
por Dante navegados
A conferência
começou no fim de tarde. Ciro apresentou Raquel.
— Pois é,
Mário. Raquel é a portuguesa que não gosta de brasileiro.
Conversa vai,
conversa vem. O papo se encaminhou às inevitáveis piadas.
— Cê sabe,
né?, Mário. Lá eles dão o troco. Contam muita piada de brasileiro.
— Então contes
uma, Raquel.
Assim, sem
querer, começou uma disputa meio repentista.
A mãe de Zé o
mandou comprar água oxigenada, 30 volumes, cremosa. Zé arranjou uma caixa de
papelão, catou na prateleira 30 frasquinhos de 100ml de água oxigenada. Como
não tinha da cremosa comprou um pote de chantili.
A caixa de
supermercado Manuela barrou o comprador.
— Mas como? Só
tem três itens aqui!
— Senhor, este
é um caixa rápido, máximo 10 volumes. Só este tubinho de água oxigenada tem 20
volumes!
Ciro gritou:
— Mário 1×0!
Por que o
Brasil está devastando tanto a Amazônia? As toras de madeira estão estocadas
pra largar na frente na pesquisa de células-tronco.
Por que o Brasil foi descoberto
por um português? Porque só um português procuraria a Ásia indo ao lado errado.
— Mário 2×0!
Nesse instante
foi se juntando uma turma ao redor das telas, formando torcida.
No domingo de
flaflu no Maracanã fizeram um sorteio dum carro. O sorteado tinha de acertar
uma pergunta.
— Qual é o
maior oceano? Mar Morto. E o povo gritando:
— Dá mais uma
chance! Dá mais uma chance!
— Qual é a
capital de São Paulo?
— Olinda.
— Dá mais uma
chance! Dá mais uma chance!
— Última chance:
Quanto é 2+2?
— 4
E o povo, em
uníssono:
— Dá mais uma
chance! Dá mais uma chance!
O portuga comprou na loja, no
valor de 150 escudos e optou pagar em 3 vezes. Tirou uma nota de 50 escudos.
— Esta é a entrada.
Mais duas notas de 50.
— Esta é pra depositaire no mês
que vem. A outra no mês seguinte. Ai, Jesus! Não vás depositaire antes!
— Mário 3×0!
Num acidente
aeronáutico em Brasília morreram todos os passageiros. No ano seguinte foi
anunciado que dobrou o número de mortos. Foi porque fizeram a reconstituição do
acidente.
Morreu o patriarca da família.
Todos se juntaram e decidiram comprar um casaco pra ficar apresentável no
funeral. Fizeram uma vaquinha e Manuel ficou encarregado de comprar. Todo mês
chegava a parcela da compra. Depois de trinta anos os irmãos reclamaram:
— Ô, Manuel! A pesada prestação
nunca acaba! Mas que raio de casaco caro aquele pra enterrar papai! Acaso era
bordado a ouro?
— Não comprei. Como estava muito
caro compensava alugar.
— Mário 4×0!
No Rio de
Janeiro o policial disse ao ajudante:
— O bandido
fugiu. Não mandei fechar todas as saídas?
— Fechei. Mas fugiu
via entrada.
O portuga telefonou à TAP e
perguntou:
— Quanto tempo dura a viagem
Rio-Lisboa?
— Ã... Deixes ver... Um minuto...
— Muito obrigado!
— Mário 5×0!
Zé não quis
entrar na loja. Negociou na calçada mesmo. O vendedor estranhou, mas como tem
comprador excêntrico, tudo bem. Pagou três vezes o valor do produto. O vendedor
achou que seria um rico excêntrico que fez questão de dar uma boa gorjeta ao
bom atendimento. 3 é número cabalístico. Vai ver que fazendo tudo triplo dá
sorte.
Noutro dia o
comprador entrou na loja e comprou normalmente. O vendedor estranhou e
perguntou o motivo da diferença.
— Ô!, mano.
Naquele dia tinha uma placa dizendo que era só hoje, pagando em 3 vezes sem
entrada.
Manoel ficou preso numa cela diante
da dum leproso. Dia após dia observava o
leproso cuidando das feridas. Até que caiu
um dedo do leproso, que o pegou e o atirou na janela. Uma semana depois caiu
outro dedo. O leproso o atirou na janela. Algum tempo depois caiu uma orelha. O leproso a
atirou na janela. Uma semana depois caiu
o pé. O leproso o atirou na janela.
Manoel não agüentou mais e pediu uma audiência
com o diretor.
— Olhes, senhor diretor, não quero ser chamado
de dedo-duro, mas o gajo que está na cela diante da minha está fugindo aos
pouquinhos.
— Mário 6×0!
Quando Deus fez
o mundo foi dividindo os países. Quando fez o Brasil o anjo ajudante ficou
admirado:
— Um país tão
grande, quase todo tropical. Não tem deserto, furacão, terremoto, vulcão nem
geleira. Cheio de rio e floresta. Isso é um paraíso!
— Não é uma
beleza? A região geológica mais estável do mundo. Será aqui o jardim do Éden.
E saiu
saltitando e cantarolando, todo contente.
O anjo viu o
Diabo espiando, com cara de pícaro.
— Ai ai ai!, seu Diabo. Tens a fama de estragar tudo quanto é paraíso. O
que aprontarás agora? Soltar uma cobra lá?
O Diabo deu uma
risota debochada e disse:
— Esperes pra
ver o povinho que colocarei ali!
Por que em Portugal as piadas são
contadas na sexta? Pra rirem na segunda.
— Mário 7×0!
Grrrrrr!
Qual é o maior
erro de português? Brasil. E não é Brazil!
Por que os portugueses são tão
burros? Foi a única maneira de os fazer gostar dos brasileiros.
Taí, Raquel, o gol de honra.
— Mário 8×1!
Então Raquel,
irritada com a patriotada de Ciro, decidiu encerrar a disputa.
A torcida
pegou uma cadeira e deu umas voltas com Mário sentado nela no alto, num
rompante de apoteose olímpica. Logo mais disse:
— Tiro Raquel
de minha lista de suspeito. Seu humor é meio recalcado, azedo. Bem diferente do
humor gaiato de nosso procurado. Raquel não tem piada de sua autoria. Sempre
piada que ouviu ou leu.
3
Sem deixar
vestígio
No dia
seguinte Mário chegou e entrou após declamar a senha:
— Tive um piti
depois do tititi que no Haiti, no Taiti e na lenda do Paititi não tinha tucupi,
tipiti nem tepurati, disse o mitaí tepoti.
O pessoal no
maior papo na roda-de-tereré. Imagines Gláuder, Ramão e Claudião juntos. Pra
Mário e Ciro era mais ouvir que falar. Imperdível. Ramão:
— ...Um amigo
meu, que é de lá, disse que Israel e os palestinos não querem a paz porque
entra muito dinheiro nos dois lados.
...Cláudio:
— Na escola e
nos documentários contam o fim da fase áurea da borracha como uma sacanagem das
potências, roubando semente de seringueira e plantando tudo junto na Malásia.
Mas não contam por quê fizeram isso. A seiva recolhida forma uma bola grande,
que é cortada em tira numa máquina. Os brasileiros fraudavam a venda colocando
pedra, o que danificava as máquinas. Então os borracheiros decidiram incentivar
um produtor honesto.
Gláuder disse
que um amigo tem uma teoria de por que as mulheres são chatas. Seria um fator
evolutivo. Sendo chatas forçam o homem a sair do acomodo, se virar. No que
Mário não concorda, pois acha que no caso humano esse estímulo é exagerado,
atrapalhando em vez de ajudar a evolução.
— Vejam os
portugueses, por exemplo. Se aventuraram em mares nunca antes navegados atrás
do caminho das índias e depois do caminho das negras, pra fugir das mulheres
portuguesas, verdadeiras megeras.
— Ai! Lá vem
Glaudão com seus estereótipos!
...Cláudio:
— Falam que os
africanos vendiam seus opositores como escravos. Mentira! A história não conta
que os portugueses usaram aimorés como mercenários pra caçar negros na costa
africana.
Cláudio
confessou que sobre o autor das pegadinhas não há vestígio.
— Estamos no
mato sem cachorro nem gato! Não temos pista. E o que é pior: Uma consulta ao
Ichingue revelou que não há vestígio material. Só falta o meliante ser um
piloto de disco voador!
Ramão disse
que na próxima sessão perguntaria a seu Carangá se tem pista pro caso, olhando
na tigela com água cheia de conchinha, que funciona como bola-de-cristal.
— Já que
carecemos de estrutura, dada a pouca verba pelo tradicional e nacional descaso
das autoridades, temos de nos apegar ao misticismo.
Com a
internete fora do ar, pois por falta de verba cortaram a linha de novo, Lígia
sugeriu conexão espírita. Gláuder disse:
— Teoricamente
se pode fazer uma sessão espírita conectada com outras, de modo análogo à internete.
Seria tipo uma psico-conferência.
Assim se
estabeleceu uma espécie de sincretismo do espiritismo cardecista de Lígia com o
afro de Ramão. O conflito era que Lígia
tinha de pôr todos de mãos dadas no escuro e Ramão acender umas velas no chão,
de três a três dispostas em triângulo. Mas enfim chegaram a um meio-termo após
gentilmente expulsar Gláuder, pois como cético cientificista empedernido e
admirador de padre Quevedo, dava curto-circuito em toda rede de inconsciente
coletivo. Por isso já foi expulso e barrado em centros algumas vezes. Mário:
— Se não é um
álien, então será Gasparzinho?
— Quieto! Se tirar
sarro, os espíritos não vêm.
Assim
conseguiram fazer uma busca numa espécie de Gugol do Além, os registros
acáchicos. Lígia estremeceu e desmaiou. Antes de voltar a Ponta Porã fez um
relatório sobre a tênue pista, que antes de ser lido foi roubado.
Mas na pressa
o ladrão deixou o final do relatório, poucas linhas no começo da página. Mário:
— Mas que
doideira! A pista psíquica aponta direto à casa e ao salão de Cleusa.
— A
cabeleireira minha amiga! — Ramão disse — Ninguém lá é do tipo intelectual,
capaz de fazer essas brincadeiras.
4
O que está
encima é igual ao que está embaixo
Cláudio disse
que foi ao salão pra falar com Cleusa.
— Disse que
nem tinha idéia do que acontecia. Não estava mentindo. Tenho experiência nessas
coisas. Mas o contador-fantasma, enviado pelo CSI Maiame, rastreou direto a sua
casa. A menos que a casa esteja muito assombrada...
— Mas esse
trambolho é confiável?
— Claro. Tecnologia
desenvolvida logo após o filme Os
caça-fantasma. Rastreia partículas subatômicas que são perturbações das ondas
de pensamento.
Ficou olhando,
desolado, o que seria um aspirador-de-pó mas era um contador-gáiguer pra
rastrear fantasma, e se retirou, coçando a orelha.
Mário foi
falar com Ramão num canto reservado.
— Não pedirias
pra seu Carangá ver na taça dágua uma pista?
— É que...
que... Tinha muita gente pra ser atendida, e quando eu ia falar, depois dum
ponto-de-fogo, não deu mais.
— Confesses. É
por isso que ficaste enrolando. E foste quem roubou o relatório. É seu Carangá
o autor das piadas!
— Imagina! Seu
Carangá é analfabeto!
— Mas gosta de
brincar!
— Temos de o
proteger. É nosso amigo.
— Na segunda
terá sessão. Conversemos consigo.
Cláudio voltou
cuma folha de papel na mão.
— Mas com os
mil diabos! Estamos no ano mundial do 1º de abril? Rodei o programa GhostTrack
4.7, enviado pelo CSI Lasvegas, e imprimiu um retrato-falado do suspeito. É um
preto-velho! É muita gozação!
No meio da
tarde da segunda-feira foram à sessão. Endereço difícil de achar, já que não tem
número na fachada. Deve ser pra despistar os maus espíritos. Na esquina oposta,
vigiando dentro dum furgão de vidraça escura, Cláudio esperava surgir alguém que
se enquadre ao retrato-falado.
Já no meio da
noite Mário e Ramão saíram, rindo como dois bêbados. E Cláudio ali.
— Seu Carangá
é o exu mais gente-fina. Um amigão.
— E muito
brincalhão.
— As entidades
são como as pessoas: Tem simpatia e antipatia, e todos os sentimentos humanos.
— O que está encima é como o que está
embaixo, o mais célebre provérbio da magia.
— E estava
preocupado com a agência não ter o que investigar.
—
Inacreditável que seja Cleusa quem incorpora.
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