Da autobiografia não autorizada de Che Guavira
Capítulo 1
De como Che
Guavira foi parar no país do cata-vento ●
Aventuras, venturas e desventuras com muita desenvoltura e jogo-de-cintura na
terra do livro e do café ● Foi preciso ir
tão longe pra saber o que é café de verdade! ● Falemos de mulher bonita ● Calientes bogotanos ● Os bogotanos têm muito a nos ensinar
de solidariedade e calor humano
Ao ler, no Murro das lamentações,
que Bogotá é a terra fabulosa dos livros, fui até lá pra conferir.
Já no
aeroporto vi que a senha do cartão internacional fora mudada. Corri à delegacia
de atendimento ao turista, pra telefonar ao número no verso mas parece que a
atendente ligou ao primeiro número, atendimento a outro país, e a ligação caía.
Tive de deixar pra resolver na chegada. A novela mexicana do cartão será
contada noutro capítulo.
Sorte que tive
a idéia de retirar o máximo, 1000 reais, num caixa eletrônico e converter a dólar,
o que me deu uma sobrevida enquanto a novela corria. Em Guarulhos fui a um
quiosque de câmbio cuja atendente, Márcia Silva, é sósia de minha antiga
correspondente chilena Maria Paz. Até a linha divisória do cabelo, mais à
esquerda. Só via que não era porque falava português sem sotaque.
A Colômbia é
um país cujo mapa tem a forma dum elegante cata-vento. Observando bem se nota
que é uma suástica dextrógira, exatamente o oposto da suástica nazista, que é
sinistrógira. A suástica dextrógira é um multimilenar símbolo benéfico, de
energia vital. Guardar bem este dado, pra conceitos no capítulo 2.
Distância em linha reta Campo Grande–São Paulo: 896km
São Paulo–Bogotá: 4324km. Total: 5220km.
Bogotá fica
num altiplano, 2600m acima do nível marinho, por isso é chamada a cidade da
eterna primavera. O clima é tal qual o de Campo Grande no inverno. Nos dez dias
ali, 14 a 23 de agosto, só fez frio no domingo 17, com finíssima garoa. No
restante um frescor agradável, típico clima serrano.
O aeroporto se
chama El Dorado, pois lá também tem
essa lenda. A lenda do Eldorado é a lenda nacional colombiana. Tanto que o
principal museu da capital é o museu do Ouro, onde li, num painel, que o
sujeito que era polvilhado de ouro em pó não era simplesmente enfarinhado, como
lemos sucintamente na lenda, mas esfolado e banhado com piche ou betume, não me
lembro bem, pra aderir o ouro em pó. Não era só enfarinhar de ouro e mergulhar
no lago. A coisa era mais cruel. Espécie de versão pré-histórica do trote de
dar banho de melado, jogar pluma e fazer dançar a dança do Passarinho.
No Brasil essa
lenda também é marcante, sempre presente nas antologias de lenda. Tanto que a
palavra eldorado entrou ao português no sentido de terra prometida de imensa
riqueza. A expressão Encontrar o eldorado significa Encontrar o mapa da mina. No
extremo sul de Mato Grosso do Sul tem uma cidade chamada Eldorado. É um dos
sete municípios abaixo do trópico de capricórnio, portanto fora da zona
tropical. Fundado em meado de 1954 pelo astrólogo Omar Nunes Cardoso, recebeu o
nome Eldorado por ser terra de grande
riqueza explorável. Antes de receber esse nome o pequeno povoado se chamava Colônia
Velha.
Na Colômbia também
tem a lenda da Mãe-dágua (Madre de Agua).
Só que a iara colombiana usa cinto-de-castidade!
Tem também a
Chorona (La Llorona), que é
tipicamente mexicana e que tem até filmes mexicanos com a personagem.
Tem a lenda de
Pilcuán, espécie de hércules andino que matou uma serpente emplumada que é uma
simbiose de nossa Boitatá com a hidra de Lerna.
E uma infinidade
de seres fantasmagóricos do folclore nacional.
As
assombrações folclóricas são muito eróticas e nuas, tudo bem retratado nas
compilações de lenda. O que mostra que é uma cultura bem menos contaminada pelo
puritanismo do branco católico ou ianque, o que a faz imensamente interessante.
No aeroporto a
esteira de bagagem é mais moderna, ampla e inclinada. O bom é que não teve, à
saída, o pessoal abrindo bagagem, como no Chile. Colômbia 1x0. Parece que lá
não tem a paranóia chilena de entrar zoonose ou algo assim.
O carrinho
disponível pra pôr a bagagem não é gratuito, custa 2 dólares. Í! Bola fora! O
resultado é todo mundo com mala de rodinha.
Também não tem
vã coletiva pra ir do aeroporto ao hotel, mas em táxi dá no máximo 25.000
pesos, cerca de 25 reais.
Os chilenos
respondem a tudo Djá. Quer dizer sim, pronto,
muito bem. Depois do Obrigado, o brasileiro responde De nada. O colombiano costuma responder Con mucho gusto.
E se faz tudo com
muito gosto, mesmo. Não precisa muita indicação de restaurante. Ao acaso se
acham serviços excelentes. O difícil é cair num mais-ou-menos. Os preços não
são altos como aqui e as porções generosas. O atendimento, então, é excelente.
Em São Paulo,
em julho, no primeiro restaurante aonde fui, no centro, ganhei uma tremenda dor
de barriga que durou dois dias. Só no terceiro dia pude passear sossegado. Nos
dez dias em Bogotá experimentei tudo o que aparecia: Restaurantes chiques ou
populares, salgadinho em qualquer esquina, e nem um desarranjo. Nada.
Mas pitaia, nada
mais que uma variedade de tuna ou figo-da-índia muito melhorado, tem de comer
pouco, porque é laxante.
O guanábano é a graviola (Annona muricata). Um fruteiro, com
carrinho estacionado na esquina, vendia helado
(sorvete) de graviola, a polpa com semente com creme-de-leite, num pote,
servindo num copo cuma concha, dando uma colher de plástico. Servia também suco
de chontaduro, que é uma pupunha
avermelhada.
Outra fruta
exótica é o mamoncillo, parecendo uma
guavira grande, cuma semente grande, polpa bem amarela e forte sabor adocicado.
Granadilla é um maracujá muito doce e
suave. Mora (amora) é grande e azeda.
Guayaba (goiaba), aguacate ou palta
(abacate) e piña (abacaxi) são outras
frutas comuns cá e lá.
Nem sombra de
água-de-coco.
Almocei no excelente
restaurante Puerta de la catedral,
perto do museu do Ouro. A espiga de milho tem os grãos maiores e mais tenros,
dum amarelo mais claro. O feijão também é mais grosso. Sempre uma fatia de
abacate acompanha a porção.
Quando cheguei
fui jantar num restaurante próximo. Pedi bagre, que foi acompanhado duma porção
de arroz, mandioca e batata fritas, limão e uma xicrinha de ají, um molho a vinagrete apimentado
muito bom.
Não vi pimenta
curtindo em pote de vidro, in natura
nem molho vermelho.
Aqueles tubos
comumente com quetichupe, pimenta, mostarda, normalmente tem vários. Um parecia
ser vinagre mas era muito denso. Era mel! Taí uma surpresa agradável.
Noutros
lugares os tubos tinham mostarda, polpa de abacaxi e doutras frutas.
Na área perto
do museu do Ouro uma lanchonete anunciando salgadinho mexicano. Uns tubulares.
Gostoso e diferente. Algo que o visitante não deve deixar de experimentar. Até
agora todas as vezes que experimentei comida mexicana (uma vez tex-mex em
Curitiba) valeu a pena.
De salgadinho (no
caso, agridocinho) tem a arepa, em
forma chata e em forma de bola, que é adocicada, bem sem-graça. Bem bom é a
papa, um grande croquete de batata recheado com arroz-carreteiro e ovo cozido,
que se destaca nas vitrines parecendo salpicado com quetichupe. No geral são
empanadas, nada mais que variações de esfirra. Se usa muito recheio com arroz,
charque, ovo e yuca (mandioca).
Já um
restaurante galego era quase só batata.
Cuidado pra
não pedir a sem-graça batata cozida ao vapor decorada com queijo derretido.
Caí nessa de
experimentar os desconhecidos, yuca e papa, tal qual quem chegou ao nordeste e pediu coisas bem exóticas e desconhecidas: Jerimum, aipim e macaxeira.
Quibe frito só
vi numa delicatéssen.
Junto aos
salgadinhos há ovo cozido. A vendedora descascou um pra mim. Infelizmente o
brasileiro tem muito preconceito contra o pão e o ovo. É que a fartura é mãe da
frescura...
Coisa estranha
é caixa eletrônico na calçada, diante da rua mesmo, aberto, encostado no muro.
Lá também tem
muito panfletista de propaganda, distribuindo propaganda de garota-de-programa,
estripetise, etc. Numa lanchonete escolhi uns sabores de empanada pra levar. No
fundo da sacola tinha um desses panfletinhos eróticos: Chicas complacentes, etc. O pessoal não pode ver a gente andar
sozinho e já acha que é turista sexual.
Só achei
difícil achar boas barras de chocolate.
Eu estava no
sebo Torre de Babel. Enquanto
garimpava nos 4 andares mal passava uma hora e alguém vinha de novo com aquela
grande taça de chope cum líquido preto tampado com película. Não era cerveja
preta mas café.
— Ai! Café?
Detesto café. Até o cheiro me enjoa.
Em ocasião assim
tomo um pouco. Experimentei aquele café amargo.
— Nham! Mas
não é que este treco é bom? É diferente mas é café! Este sim, merece ser
cantado naquele samba-enredo do Salgueiro: Gostoso como um beijo de amor.
Que coisa tão
diferente do carvão sabor café daqui. É suave, o pó tem cor de chocolate.
Comprei um pacote de café gurmê no museu do Ouro. O pó tem cor de amora em pó.
Nada a ver com o carvão que conhecemos. No aeroporto os pacotes são mais
baratos mas são outros rótulos.
Tive de ir a
Bogotá pra saber o que era café. Igualmente nunca gostei de cerveja. Só vi o
que era quando experimentei importada. Kaiser, Antarctica, Brahma, etc, nem de
graça, pois meu estômago não é lixeira. Um dia experimentei uma latinha de
Crystal e cuspi fora. Parecia feita com soro de coalhada!
O Brasil
produz excelente café mas exporta tudo. A melhor carne de MS é exportada. Tudo
porque o povo é ignorante e nada exigente. Há famílias que proporcionam o
melhor aos filhos. Há outras onde o melhor é só pràs visitas...
Tem de
exportar o que sobra, e não impingir rebotalho à população.
No fim do
primeiro dia de passeio levei um susto ao ver no espelho uma cara tão rubra.
Então fui correndo comprar um filtro-solar. Sou reticente a usar isso no rosto,
porque ao suar escorre aos olhos e arde. Mas como o clima não fazia suar não
tive esse problema.
Quanto aos
famigerados efeitos de altitude, nada senti. Parecia estar aqui mesmo.
O hotel Colombia at home, pequenino e simples,
sem desjejum nem nome na fachada, é muito organizado. Já na reserva informa o
trajeto, preço máximo do percurso em táxi e oferece taxista de confiança pra
buscar o hóspede.
O dizer no
logotipo já explica o propósito: Se sentir como em casa. E é o que se percebe
no atendimento da dona do hotel, dona Stella. Já mora ali pra atender melhor. Parece
que seu trabalho é sua vida, paixão, extensão do cotidiano.
O hotel fica
bem no costado da igreja Divino Salvador
e duma avenida. No lado oposto, a poucas quadras, a avenida 53, que é um longo
centro comercial.
A cidade é
bonita e a arquitetura variada. Não é só concreto e asfalto e não tem buraco na
rua. No máximo uma depressão com o peso dos ônibus sanfonados, pois nas
avenidas principais têm muitos desses luiz-gonzagas. Passeando em táxi não se
sente o veículo trepidar, pois não é um asfalto sorvete-moreninha todo
remendado como aqui. É calçamento pra valer.
Poucas ruas
têm nome. É tudo número, o que facilita muito pesquisar na internete e se
localizar presencialmente. A disposição é como numa matriz: Linhas, colunas e
diagonais. As calles (ruas) são todas
paralelas entre si. Idem as carreras
(carreiras), paralelas entre si e perpendiculares às ruas. Portanto não há
esquina entre duas ruas nem entre duas carreiras, sempre uma rua e uma carreira,
diagonal ou avenida.
O bom é que
não existe a mania de mudar nome de rua nem ficar puxando saco de celebridade,
o que é uma praga no Brasil. Muito bacana e poético o aeroporto se chamar El Dorado, em vez do tremendo mau-gosto doutor
fulano beltrano da silva silveira e tal.
Uma página
disse que lá tem o maior número de mulher bonita por metro quadrado que o cara
já viu. Pode ser mas ainda acho que Curitiba dá de 10x0.
Os caras lá
dizem que Medelim tem mais. O atendente do sebo Merlín disse:
— Á! Medelim é
melhor. Cáli. Barranquilha, então é demais. Mas Cartagena, uau!, é o máximo!
No sábado,
última passada no Torre de Babel, tive de recusar a última oferta de café. Como
não tenho hábito de tomar, a cafeína já estava alta no sangue, por isso as
fotos tive de tirar várias vezes, pois a mão tremia. Na próxima foto antes e
café depois. Mais um pouco e já teria de recorrer às chicas complacentes, hehehehe.
Mas deve ser o
café o causador de tal densidade populacional. Fui ver uma caneta lêiser, pois
lá não é proibido, e num canto da loja um casal adolescente num tremendo
amasso.
—
Como son calientes los colombianos!
A
culpa é do café, na falta do tereré...
Sobre a
excelência do atendimento bogotano, no próximo capítulo.
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