segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Relatório 8
do emissário extraordinário XYZ ao planeta 3
Em missão urgente buscando inteligência
a dom Piqwỹ Lagarrr Urraur nã-Ữluarurr
governador-geral do sistema Altair
É bizarro o sentimento dos nativos do planeta 3 com relação às outras espécies. Em vez de valorizar e louvar as que lhe são úteis as relegam ao desprezo e vitupério. Enquanto dignificam as perigosas e desconhecidas.
Assim acham glamuroso o leão, o nomeiam rei dos animais, o ostentam em emblemas, brasões, estátuas e o associam a tudo o que é grandioso, temível e formidável. Tudo por causa da ferocidade, porte altaneiro, voracidade, rugido assustador e exuberante juba. No entanto o bicho não passa dum gigolô. Sendo muito pesado, quem caça na savana é a leoa mas é o leão quem come primeiro, além de ser um perigo aos filhotes.
O cachorro é dito o melhor amigo e o mais útil, mas quando querem xingar alguém muito desprezível o chamam de cachorro.
O porco é o mais inteligente dos quadrúpedes (mas mesmo assim preferem adestrar cães e gatos só porque são mais bonitos) e o que tem maior semelhança orgânica e por isso os testes biológicos são feitos nele, inclusive a produção de insulina, e é o único que também sofre de insolação, e é por isso que a carne do porco não deve ser consumida mal-passada nem crua: Por causa da afinidade biológica muito estreita a cisticercose do porco é a mesma. Acontece que todo animal grande e ou gordo, como elefante e hipopótamo, sofre pouca perda de calor e se vive em região quente tem de entrar na água pra baixar a temperatura. E como tem a pele glabra precisa rolar no lodo pra se livrar dos parasitas. Acontece que os nativos do planeta 3 o criam em espaços exíguos, portanto anti-higiênicos. Como os criadores são babacas e avarentos, os pobres bichos são forçados a rolar na sujeira, mesmo lodo misturado a excremento. Assim o pobre bicho foi injustamente difamado, virando símbolo de tudo o que é anti-higiênico. Assim quando querem xingar alguém por ser anti-higiênico o chamam de porco. Ninguém se lembra de que o bicho se suja forçado por seu criador, que é o verdadeiro porcalhão na história.
Só porque o porco é gordo já o associam à glutonaria. Assim quando alguém é glutão dizem que come como um porco. E quando alguém come pouquíssimo dizem que come como um passarinho. Na verdade as aves são animais que comem exageradamente com relação ao tamanho do corpo. Quanto menor o animal, mais freqüentemente precisa comer porque corpo pequeno perde calor rapidamente. Assim deveriam dizer que o glutão come como uma galinha ou como um passarinho. Mas não! Outra vez implicam com o pobre porco. O que mostra o quão pervertidos são os valores dos nativos do planeta 3.
Quando uma fêmea dos nativos do planeta 3 é muito promíscua sexualmente, a chamam de galinha. Outra injustiça porque são agarradas a força pelo galo, que é outro figurante nos brasões e evocado como símbolo de valentia e dignidade, quando não passa dum estuprador, dum machista dos mais chovinistas. Enquanto a galinha, que põe muitos ovos e cria os filhotes sozinha, é difamada dessa forma tão pejorativa.
Quando querem se referir à estupidez o bicho é o burro. Na verdade o burro é mais inteligente que o cavalo, mas como o cavalo é belo e elegante quem virou emblema de estupidez foi o burro. Também gostam de xingar de anta pra se referir à estupidez, mas a anta está longe da obtusidade dos eqüinos, bovinos, galináceos, ovinos, etc., tendo inteligência comparável à do elefante. O que mostra que a sabedoria popular não tem muito de sábio.
Por ser gordo se é chamado de baleia, hipopótamo, elefante... Tudo o que é grande entra na berlinda.
No pejorativo de cunho sexual muitas são as vítimas zoológicas e botânicas. A já citadas galinha, a piranha, a vaca, a cadela... Na verdade são os nativos do planeta 3 os mais bizarros nesse sentido, pois uma grande porcentagem deles, por ausência de seleção natural e poluição magnética, tem a bizarra inclinação a improvisar o órgão dos dejetos como órgão sexual, se deleitando assim na mais imunda das secreções. E mesmo assim têm a cara-de-pau de chamar de veado os dados a essa prática monstruosa. Quando na verdade são os bichos que deveriam se ofender ao ser chamados de humano.
A mosca é um dos animais mais incômodos, insistentes. Mas nunca ocorreu chamar de mosca um chato, esse sim, um parasita que faz jus ao título.
Os ratos são milenarmente odiados pela esperteza e imundície. Idem o gato, por eliminar os ratos. Mas estranhamente, desde que os nativos do planeta 3 inventaram história em quadrinho e desenho animado, o rato é apresentado como mocinho e o gato como vilão. Nesses meios os pequenos, mesmo que sejam uma praga, são os mocinhos. Isso porque os nativos do planeta 3 cultivam o estereótipo de sempre torcer pelo pequenino, o que parece mais frágil. Mais um exemplo da onipresente perversão que é a inversão de valor dos nativos do planeta 3.
No romance satírico de Gargântua esse herói eliminou o rebanho do inimigo, num navio, atirando uma ao mar, de modo que as outras a seguiram. Mesmo assim muitos adeptos de religiões proselitistas gostam de ser chamados de ovelha, um dos bichos mais estúpidos, mansos e indefesos.
Também os vegetais sofrem essa difamação. O abacaxi é unanimemente aclamado o rei das frutas, que já vem coroado pela natureza. Mas só porque é difícil de descascar, a toda situação incômoda, trabalhosa, delicada ou difícil chamam abacaxi. E também a alguém ou coisa considerado inútil, incômodo ou trabalhoso. Chegam até a dar essa fruta como troféu a canastrões (cantores ou atores).
O pepino também é usado nesse sentido, só porque é de difícil digestão. Mas a melancia, sua parente, com as mesmas propriedades, não.
O arroz, coitado, só por estar presente em todo almoço, é associado a quem não perde festa. Assim chamam arroz-de-festa a quem está presente em todas.
Quando alguém é fraco de ânimo, pouco enérgico, é chamado de banana. Também chamam um país pequeno e instável de republiqueta das bananas porque a economia dos países latino-americanos se baseava na produção de banana. Uma injustiça com essa fruta, que é uma das melhores.
O marmelo transformado em doce é mais uma vítima. Só porque avarentos promoviam competição e o vencedor ganhava uma mísera lata de marmelada, tudo o que envolve trapaça é chamado marmelada. Como os nativos do planeta 3 são pródigos em difamar os outros seres vivos.
Chamam de chuchu a uma namorada, por exemplo. Mas chuchu é um dos frutos mais insossos e feios, até quase de casca espinhosa. Um pouco mais apropriadamente dizem que tal fêmea é uma uva, mesmo um tanto ácida.
Mas como eles mesmos dizem, macaco não olha o próprio rabo. Assim se julgam a maravilha da criação, o supra-sumo da inteligência, a quintessência da sabedoria, o ápice da evolução.
Longe de esgotar os exemplos, encerro o tema e continuo na ingrata e inglória missão de procurar inteligência no planeta 3.

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